Artigo de opinião: Porque as Carreiras do Poder Judiciário deixaram de ser uma das carreiras melhores remuneradas, para ser uma das piores do serviço público federal?

Artigo de Opinião: Porque as Carreiras do Poder Judiciário deixaram de ser uma das carreiras melhores remuneradas, para ser uma das piores do serviço público federal?

Por: MARIA CRISTINA COLLARES DE SOUSA, Analista Judiciária, aposentada do TRF4-SJRS.

 

1 – Um pouco da história:

Quem acompanha um pouco da história remuneratória do Poder Judiciário da União, sabe que foi oferecido pelo Ministro Gilmar Mendes, então Presidente do STF (2008/2010) a alteração da forma remuneratória, de VB + GAJ, para gratificação de desempenho.

A alegação para que tal proposta fosse rechaçada pelas entidades sindicais, era de que a administração iria “explorar os servidores” estabelecendo metas difíceis de cumprir. Hoje, metas cada vez mais difíceis são estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, sem qualquer contraprestação remuneratória.

Também houve uma certa discussão sobre a mudança do modelo remuneratório dos servidores para subsídio, o que sequer foi discutido com seriedade pelos sindicatos.

Os poucos sindicatos que analisaram o assunto, o fizeram com foco no lado “negativo” de que o subsídio incorporaria GAS, GAE, VPNIs, AQs e, outros adicionais, esquecendo de analisar o fato de que a maioria dos servidores não possuem essas rubricas em seus contracheques. Faltou ainda, esclarecer que o subsídio possibilita uma maior transparência e maior reajuste para os servidores em geral, justamente por não trazer essas vantagens que, geralmente, incidem sobre o Vencimento Básico de apenas alguns cargos, mas pesa no orçamento de todos.

No passado, quando houve a migração das demais carreiras para o modelo remuneratório do subsídio não fomos contemplados e até hoje amargamos a desvalorização das Carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público da União em razão dos erros daquela ocasião.  Perdemos o bonde da história.

Desde 2023, com base nos dados dos portais da transparência, constata-se que a carreira de Analistas do Poder Judiciário da União, é uma das mais mal remuneradas do serviço público federal de nível superior. [https://www.cjf.jus.br/cjf/unidades/gestao-de-pessoas/tabelas-de-remuneracao/servidores/2023/2023].

Em que pese os sindicatos atualmente, alegarem que Analistas, com a proposta de reestruturação, receberão a remuneração equivalente àquela paga aos servidores da Receita Federal ou aos servidores das carreiras do ciclo de gestão, os dados oficiais, constantes nas páginas dos portais da transparência, comparados à proposta da Fenajufe no Anteprojeto que está em discussão no Fórum de Carreiras mostram que essa informação não é verdadeira.

Veja-se, na proposta protocolada pela Federação no STF e no CNJ, o Analista C13, receberá R$ 12.400,39 (VB) + 17.360,54 (140% de GAJ), o que totaliza R$ 29.760,93, para o ano de 2030, o que é bem abaixo da remuneração que tanto a receita federal e os cargos do ciclo de gestão, já recebiam em 2023. [https://sintrajufe.org.br/wp-content/uploads/2023/12/Anteprojeto-de-carreira-do-PJU-Proposta-da-Fenajufe-versao-14-12-23.pdf].

 

2 – Remuneração das Demais Carreiras de Nível Superior do Serviço Público Federal – Dados Disponíveis nos Portais da Transparência.

 Em 2023, a remuneração dos Analistas C-13 do PJU, somando VB + GAJ era de R$ 19,823,62 e, em fevereiro de 2025, com a Lei Nº 14.523/2023, será de R$ 22.301,14.

Nas carreiras de nível superior do Executivo, no mesmo ano de 2023, a remuneração das carreiras de nível superior, com 13 níveis variavam de R$ 21.325,15 – Analistas Administrativos da ANA, ANAC, ANCINE, ANEEL, ANS, ANP, ANATEL, ANTAQ, ANTT e ANVISA, até R$ 29.832,94 – BACEM, CBM, IPEA, SUSEP, e GRUPOS DE GESTÃO.

A remuneração da Receita Federal, em 2023, já era de R$ 30.810,95.

Ou seja, desde 2023, a Carreira de Analista do Poder Judiciário e do Ministério Público da União é uma das mais mal remunerados, das carreiras de nível superior do serviço público federal.

 Comparando-se com o Poder Legislativo, a situação fica ainda pior. Um Analista Legislativo do Senado Federal, recebia, em 2023, R$ 31.113,01, no modelo com Gratificação [https://www12.senado.leg.br/transparencia/rh/segp/arquivos/estrutura-remuneratoria-de-cargos-efetivos/03-remuneracao-cargo-efetivo_anexo-ii-tabela-1_30042023-pdf.pdf].

Ora, se o Anteprojeto da Fenajufe pretende a remuneração de R$ 29.760,93 para o Analista Judiciário C-13, em 2030 e os cargos considerados paradigmas por ela já em 2023 variavam – Ciclo de Gestão = R$21.325,15 a R$ 29.832,94 e Receita Federal = R$ 31.113,0, é óbvio que Analista Judiciário não receberá remuneração equivalente à remuneração da Receita Federal ou do Ciclo de Gestão que, hoje, já recebem mais do que nos é prometido para 2030.

 

3 – O que é o ciclo de gestão?

As carreiras do ciclo de gestão do serviço público federal são as que atuam na Administração Direta e Indireta do governo federal e desempenham funções técnicas, estratégicas e operacionais. Planejam, organizam, dirigem e controlam as atividades e recursos públicos visando eficiência e eficácia na prestação do serviço público. Incluem analistas e técnicos, gestores, administradores, advogados dentre outros.

Os Técnicos das carreiras do ciclo de gestão desempenham funções de administrativo, técnico e operacional, sendo essenciais para garantir a eficiência e continuidade dos serviços.

Os Analistas desempenham papeis cruciais na área de orçamento, planejamento, finanças, etc. e são responsáveis por análises, e elaboração de decisões e relatórios para tomada de decisões.

São exemplos de carreiras do Ciclo de Gestão: Analista de Planejamento e Orçamento; Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental; Analisa de Comércio Exterior; Analista de Finanças e Controle; Gestor Governamental de Recursos Humanos, dentre outros.

Nesses cargos, a remuneração em 2023 variava de R$ 20.924,80 a R$ 29.832,94 e, recentemente, o governo federal fechou acordo com 98% dessas carreiras para reajustes em 2025 e 2026.

 

4 – Como chegamos a isso e como permanecemos nisso?

Frequentemente nossos reajustes não cobrem a inflação acumulada, ou seja, estamos sempre “correndo atrás do prejuízo” e de forma parcelada.

Conforme tabela, a última vez que “empatamos” com a inflação, foi em 2019 e de lá para cá as perdas inflacionárias só aumentam.

Fontes:

2019-2023: IBGE

2024-2027: Focus (18/10/24)

2028-2030: IFI (08/07/24)

Conforme a Lei nº 14.523/2023, tivemos, como de costume, o reajuste parcelado em fev/2023 (6%); fev/2024 (6%) e fev/2025 (6,13%). [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14523.htm]. Antes disso, nosso último PCS também houve parcelamento.

Ocorre que esse reajuste que estamos recebendo (2023, 2024 e 2025) e que se encerrará em fev/2025 refere-se a perdas anteriores, na monta de 34,84%, conforme consta na justificativa do PL 2441/2022 que deu origem a Lei 14,523/2022 e, sequer repôs integralmente as perdas pretéritas. [https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2206238&filename=Tramitacao-PL%202441/2022].

Há um grave problema que é o orçamento restrito do Poder Judiciário da União. Atualmente o orçamento é extremamente limitado por regras orçamentárias e arcabouço fiscal. A Lei Complementar 101/2000 – LRF, considera nulo ato que provoque aumento de despesa sem prévia autorização na lei de diretrizes orçamentárias e sem prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesas decorrentes, soma-se a isso as questões trazidas pelo arcabouço fiscal. [https://anajus.org.br/janela-orcamentaria-lei-de-responsabilidade-fiscal-arcabouco-fiscal-impacto-orcamentario-afinal-o-que-sao-as-restricoes-orcamentarias/].

 

5 – Com o orçamento restrito, o que está acontecendo conosco?

Após a deliberação na Plenária da Fenajufe, ocorrida em 2023 na cidade de Belém, que decidiu por valorizar o cargo de Técnico Judiciário de maneira que a remuneração deles seja o equivalente a 85% da remuneração dos Analistas, as propostas para as carreiras de Técnicos e Analistas ficaram engessadas uma vez que sendo o orçamento do Poder Judiciário da União único e limitado, para que se dê reajuste maior para uns é necessário dar um reajusta menor para outros.

Em poucas palavras, cada real a mais para dos cargos é um real a menos para o outro cargo.

O maior poder de compra que os servidores do PJU e do MPU tiveram, foi em 2019, o mesmo do início de 2023, acima mencionado, considerando que não houve qualquer reajuste de 2019 a fev. 2023. De lá para cá, nosso poder de compra apenas diminuiu e a inflação acumulada 2019/2024 já chega próximo aos 23%. Até 2030, ano de provável implementação total do nosso futuro reajuste, porque é vedado parcelamento de um governo para outro, e nossos reajustes, geralmente são parcelados, enfrentaremos uma inflação acumulada de mais de 40%.

 

6 – E como estamos hoje? Ainda estamos no reajuste zero.

No Fórum de carreiras do CNJ, onde sindicatos e administração discutem o plano de carreiras dos servidores do PJU, foi apresentada uma proposta de reajuste linear, pelo sindicato de Brasília, a qual foi rejeitada pelos sindicatos em razão de que não atendia a premissa de que a remuneração dos Técnicos deveria corresponder a 85% da remuneração dos Analistas.

Assim, qualquer proposta que traga reajustes em percentuais iguais para as carreiras de Analistas e Técnicos vem sendo rejeitada, mesmo que todos continuemos no zero, indefinidamente.

E agora? Agora, perdemos a janela orçamentária que é o prazo para que o STF enviasse sua proposta orçamentária e se encerrou em agosto/24. A janela orçamentária é o prazo para que as propostas de orçamento dos órgãos sejam enviadas para análise. Caso seja construída alguma proposta viável, dentro do orçamento e seja apresentada, aprovada e enviada ao STF com tempo para entrar na próxima janela orçamentária em 2025, talvez, tenhamos algum reajuste em 2026.

Infelizmente, ainda não apareceu uma solução para o problema posto e, aparentemente, há uma grande dificuldade de composição para que a valorização dos Técnicos não prejudique tanto a recuperação do poder de compra que já estamos acumulando desde 2019.

Dito todo o acima, a pergunta que fica é, até quando os servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União continuarão perdendo para a inflação?

A própria Federação apresentou um estudo onde afirma que a remuneração do Analista deferia ser mais de 29 mil, em 2025, mas propõe esse valor para 2030.
[https://www.fenajufe.org.br/wp-content/uploads/2024/08/Impacto-orcamentario-FENAJUFE-reajustecumulativo-306-Out2025-e-2026atual-1-1.pdf].

Assim, continuamos sendo, cada vez mais, uma das piores carreiras do serviço público federal, notadamente, levando em consideração que, as carreiras do executivo federal já tiveram seus acordos de reajuste para 2025 e 2026 aprovados, enquanto nós, Analistas do Poder Judiciário da União e do Ministério Público da União, cada vez mais ficamos a perder o poder de compra.

Infelizmente, Federação não se mostra interessada em conversar com entidade que representa os Analistas do Poder Judiciário da União e do Ministério Público da União, mas tão somente com entidades representativas de outros cargos, cabendo aos Analistas apenas aguardar o desenrolar dos fatos eis que sequer representantes dos Analistas Atividade Judiciária e Atividade Administrativa foram indicados para participar dos debates no CNJ.

[https://www.fenajufe.org.br/noticias-da-fenajufe/reestruturacao-da-carreira-fenajufe-apresenta-anteprojeto-para-assejus-e-anatecjus-2/].

[https://www.fenajufe.org.br/noticias-da-fenajufe/em-reuniao-com-fenassojaf-federacao-apresenta-o-anteprojeto-de-carreira-aprovado-na-plenaria-de-belem/].

[https://www.fenajufe.org.br/noticias-da-fenajufe/fenajufe-e-agepoljus-se-reunem-pela-unidade-em-torno-do-anteprojeto-de-carreira-2/].

[https://anatecjus.org.br/reestruturacao-de-carreira-anatecjus-se-reune-com-a-fenajufe-para-apresentacao-do-anteprojeto-e-apoio-do-segmento/].

Qual será a razão de a Federação não achar importante conversar e lutar pelas demandas dos Analistas? Fica o questionamento.

 

*A opinião do autor não, necessariamente, reflete a opinião oficial da ANAJUS.