Observação: esse artigo permanecerá em constante atualização.
Um dos assuntos em alta neste momento, em que se discute o modelo mais adequado para a recomposição da remuneração dos servidores do Poder Judiciário da União (PJU) e do Ministério Público da União (MPU), se refere às restrições impostas pelo Ordenamento Jurídico às propostas de reestruturação de carreiras e de reajuste salarial dos servidores públicos em geral. Expressões como “janela orçamentária”, “arcabouço fiscal”, “estudo de impacto orçamentário” e “restrições orçamentárias” se tornaram frequentes no debate público envolvendo a reestruturação das carreiras dos servidores do PJU e do MPU.
As restrições orçamentárias representam um desafio contínuo ao reajuste dos servidores públicos no Brasil. Essas limitações decorrem de uma série de fatores legais, econômicos e fiscais. O equilíbrio entre a necessidade de valorização dos servidores e a responsabilidade fiscal é um ponto crucial nesse debate. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por exemplo, estabelece parâmetros rigorosos para a gestão dos recursos públicos, impondo limites aos gastos com pessoal e exigindo transparência e controle nas contas públicas.
Sem pretensão de esgotar o assunto, apresentamos este pequeno artigo com perguntas e respostas com o intuito de esclarecer os pontos mais fundamentais do tema.
O que são restrições orçamentárias?
De forma resumida, as restrições orçamentárias compreendem os limites e as condições impostos pela legislação para a utilização de recursos públicos. As restrições orçamentárias são essenciais para manter a disciplina financeira e assegurar a sustentabilidade das finanças públicas. Essas restrições se aplicam a vários tipos de despesas/gastos públicos, mas, nesse campo das restrições, a legislação brasileira deu maior atenção às despesas com pessoal.
Quais as restrições que a Constituição Federal impõe à reestruturação de carreiras e ao aumento salarial de servidores públicos?
É possível pensar em inúmeras normas constitucionais que devem ser observadas para a concessão de aumentos remuneratórios ou para a reestruturação de carreiras. No entanto, há um dispositivo na Constituição Federal que assume enorme relevância nessa discussão: o artigo 169 da CF. Esse dispositivo pode ser compreendido em duas partes:
a) Art. 169, caput: a despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar. Esses limites estão previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, que é a Lei Complementar n. 101/2000. Veremos ela logo adiante.
b) Art. 169, parágrafo primeiro: a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração só poderá ser feita se houver (1) prévia e suficiente dotação orçamentária o que significa dizer que o Orçamento Anual (LOA) deve incluir os recursos necessários para o pagamento da vantagem ou aumento de remuneração; e (2) autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (LDO).
Desse modo, qualquer reestruturação de carreiras no PJU e no MPU deve obedecer aos seguintes requisitos constitucionais: (1) previsão de recursos suficientes na Lei Orçamentária Anual do(s) ano(s) em que for(em) implementada(s); (2) autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (LDO); e (3) observância dos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Mas, afinal, o que são despesas com pessoal?
De acordo com o artigo 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), entende-se como despesa total com pessoal o somatório dos gastos do ente da Federação (por exemplo, da União) com servidores ativos, inativos e pensionistas, sejam eles ocupantes de mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos civis e militares e membros de Poder. Inclui quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.
Como se vê, o conceito de despesa com pessoal é extremamente amplo e possui enorme relevância quando se fala em reestruturação de carreira ou aumento salarial dos servidores, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe várias restrições ao crescimento dessa despesa.
Quais as restrições que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe ao aumento das despesas com pessoal da União?
É importante ressaltar, mais uma vez, que não temos a pretensão de esgotar o assunto. É importante destacar, de imediato, que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) aplica-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 1º, parágrafo segundo). A LRF também afirma expressamente que a lei é aplicável ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo, aos Tribunais de Contas, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público (art. 1º, §3º, I, alínea ‘a’).
Feita essa advertência, vamos tratar das duas restrições mais importantes, que devem ser cuidadosamente observadas no contexto atual:
a) É vedada a aprovação de plano de alteração, reajuste e/ou reestruturação de carreiras do setor público que provoque aumento de despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo (art. 21, IV, ‘a’). Assim, considerando a data atual (junho/2024), qualquer aumento salarial deve ser implantado antes de 180 (cento e oitenta) do fim do atual mandato presidencial, isto é, até 30 de junho de 2026.
b) Mas seria possível prever que uma parcela de reajuste seja implementada no próximo mandato presidencial, por exemplo, em fevereiro de 2027? A resposta é NÃO. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) também veda a aprovação de plano de alteração, reajuste e/ou reestruturação de carreiras que resulte em aumento da despesa com pessoal e preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato presidencial, isto é, 31 de dezembro de 2026 (art. 21, IV, ‘b’).
O que é a chamada “janela orçamentária”?
A “janela orçamentária” refere-se justamente aos períodos específicos nos quais é possível conceder reajustes e realizar a reestruturação de carreiras respeitando as normas legais, como se viu acima. Enquanto a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não for alterada, esses períodos deverão ser observados.
Citamos um exemplo de janela orçamentária para melhor compreensão do termo: qualquer parcela de reajuste ou reestruturação deverá ser integralmente implementada até 30 de junho de 2026 (art. 21, IV, ‘a’, da LRF), sendo vedada a previsão de qualquer parcela a ser paga após 31 de dezembro de 2026 (art. 21, IV, ‘b’, da LRF).
Uma nova janela orçamentária se abrirá em 1º de janeiro de 2027 e se encerrará em 30 de junho de 2030, vedada, ainda, a previsão de parcela a ser paga após 31 de dezembro de 2030, e assim sucessivamente.
O impacto orçamentário dessas restrições é significativo, pois qualquer aumento salarial deve ser cuidadosamente avaliado quanto à sua viabilidade e sustentabilidade a longo prazo.
E o que o Arcabouço Fiscal tem a ver com isso?
Explicar o Arcabouço Fiscal não é uma tarefa fácil. Vamos tentar sintetizar as principais ideias por trás dele e o modo como ele restringe a concessão de aumentos remuneratórios e as reestruturações de carreiras.
O arcabouço fiscal brasileiro, previsto na Lei Complementar n. 200/2023, é um conjunto de regras que define limites para as despesas públicas, incluindo os gastos com pessoal e investimentos, e prevê mecanismos de ajuste caso esses limites sejam ultrapassados. Seu objetivo é assegurar que o governo mantenha suas contas equilibradas, tendo substituído o antigo Teto de Gastos.
Em linhas gerais, a Lei Complementar n. 200/2023 fixou limites individualizados para o crescimento das despesas de cada Poder. Esses limites correspondem ao valor do limite do ano anterior, corrigido pela inflação (IPCA) acrescida de até 2,5% (dois e meio por cento), a depender do desempenho da arrecadação e do cumprimento das metas fiscais. Assim, ainda que o Governo tenha dinheiro no cofre, o Arcabouço Fiscal impõe limite ao que poderá ser gasto em cada ano. Vamos dar um exemplo fictício para ajudar na compreensão:
Imagine que o limite de despesa do Poder Judiciário seja de 50 bilhões em 2024 e que a arrecadação tenha um crescimento real de 10% em relação a 2023. Se, em 2024, a inflação for de 3%, o limite de despesa do Poder Judiciário em 2025 será equivalente a R$ 50 bi + 3% (inflação) + 2,5% (crescimento da receita, limitada a 2,5%), ou seja, R$ 52,750 bi. O limite permitirá, assim, um acréscimo correspondente a R$ 2,750 bi (dois bilhões, setecentos e cinquenta milhões de reais).
Como se vê, as regras do Arcabouço Fiscal não são simples, mas, gostemos ou não, impõem limites ao crescimento das despesas de cada Poder.
Por fim, o que o estudo de impacto orçamentário tem a ver com tudo isso?
Toda e qualquer proposta legislativa de reajuste salarial, enquadramento funcional, reestruturação de carreira, concessão de vantagem etc. deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro (art. 113 do ADCT). Essa estimativa é elaborada por meio de um estudo de impacto orçamentário. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, “toda proposição legislativa [federal, estadual, distrital ou municipal] que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”, sob pena de inconstitucionalidade formal (ADI 6303, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2022, DJe-052).
Em resumo e sem pretender esgotar o assunto, as restrições orçamentárias impostas pelo ordenamento jurídico brasileiro desempenham um papel crucial na gestão das despesas públicas, especialmente no que tange aos reajustes salariais e à reestruturação de carreiras dos servidores públicos. A necessidade de equilibrar a valorização dos servidores com a responsabilidade fiscal exige a observância rigorosa de dispositivos legais como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o recente Arcabouço Fiscal. Compreender essas restrições e suas implicações é fundamental para promover uma gestão pública eficiente e sustentável. Portanto, ao avançar nas discussões sobre a recomposição salarial dos servidores do PJU e do MPU, é imperativo considerar todas as exigências legais e orçamentárias, garantindo que as propostas sejam viáveis e contribuam para a estabilidade financeira a longo prazo.