Mas “teletrabalho” apenas significa, em rigor, “trabalho à distância”, isto é, exercido fora do local habitual: as instalações da empresa.
Sapo
20/07/2020
A pandemia da Covid-19 foi responsável pela explosão do teletrabalho como solução de recurso para manter as empresas em funcionamento durante o confinamento dos trabalhadores. Na realidade, o que aconteceu foi a súbita aceleração de uma tendência que muitos já tinham previsto no âmbito da chamada “transformação digital” mas tardava em adquirir uma dimensão significativa.
Como seria de esperar, o disparo do teletrabalho originou uma cornucópia de informação sobre o tema, sendo raro o dia em que não é publicada opinião ou informação factual sobre ele. A esmagadora maioria do material publicado, porém, tende a concentrar-se sobre as dificuldades que os trabalhadores têm de enfrentar neste regime de trabalho, com destaque para os problemas do isolamento e da ausência de interação com os colegas, do esbatimento de fronteiras entre o horário profissional e a vida pessoal e familiar, etc.. Em contrapartida, aspetos verdadeiramente cruciais do teletrabalho têm sido praticamente ignorados. O primeiro de todos é a confusão existente entre “teletrabalho” e “trabalho a partir de casa”.
Trata-se de um erro de perspetiva que decorre das circunstâncias especiais em que este debate teve início – o confinamento – quando aquela era efetivamente a única possibilidade. Mas “teletrabalho” apenas significa, em rigor, “trabalho à distância”, isto é, exercido fora do local habitual: as instalações da empresa.
O trabalho que realizamos quando nos sentamos com um portátil no Starbucks mais próximo, a bordo de um comboio ou de um avião, no átrio de um hotel ou na lounge de um aeroporto – é tudo teletrabalho. E tão pouco é novo: o vendedor que no final do dia regista as suas vendas e planeia o dia seguinte no quarto do hotel já o faz há décadas!
O que é novo é, no plano quantitativo, a escala maciça a que as circunstâncias obrigaram, e no qualitativo a sua extensão a vastos segmentos de trabalhadores dependentes, muito para além da minoria de “nómadas digitais” pré-existentes, restrita a uns poucos freelancers, consultores, quadros superiores e comerciais.
Esta associação entre teletrabalho e mobilidade, que tende a ser ignorada no debate em curso, é um fator de importância crítica para pensar a organização do trabalho numa “nova normalidade” pós-pandémica, como veremos noutra oportunidade mas não iremos desenvolver aqui.
Naturalmente, o tipo de trabalho a realizar condiciona o local de realização. Uma atividade que se revista de confidencialidade – por exemplo, marcação de consultas, aconselhamento financeiro, negociação de contratos – não pode ter lugar de viva voz num local público onde, mesmo quando feita apenas por escrito, não está isenta de riscos de devassa; atividades deste tipo, aliás, mesmo quando realizadas em casa, devem ser objeto de proteção e resguardo adequados.
Outras estão sujeitas a limitações tecnológicas – e.g. largura de banda, tamanho dos equipamentos – que dificultam a sua execução em “regime ambulatório”: um desenhador em CAD/CAM precisa de ecrãs de grandes dimensões que não pode levar para o café da esquina. Muitos outros exemplos destas limitações poderiam ser apontados.
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