GUILHERME DA HORA PEREIRA (*)
Advogado 

A liberdade de constituição de entidades sindicais, outorgada pela CF em seu art. 8º, inciso I, contrastada com a manutenção do princípio da unicidade, previsto no inciso II do mesmo dispositivo, fez surgir a questão da representatividade da categoria por um ou mais sindicatos. Nesse sentido, a criação de sindicatos ou o desmembramento destes, por especificidade ou territorialidade, só encontra óbice na legislação ao se contrapor ao inciso II do art. 8º da Lei Maior, que não permite a coexistência de sindicatos representativos da mesma categoria profissional ou econômica na mesma base territorial.

É que o art. 571 da CLT prevê a possibilidade de qualquer atividade ou profissão, concentrada na forma do parágrafo único do art. 570, se “dissociar do sindicato principal, formando um sindicato específico, desde que o novo sindicato, a juízo da Comissão de Enquadramento Sindical, ofereça possibilidade de vida associativa regular e de ação sindical eficiente“.

Significa dizer que os sindicatos que abrangem mais de um município podem ser desmembrados em sindicatos de âmbito exclusivamente municipal, de acordo com a estrutura adotada no Brasil, ou se tornarem mais específicos com relação à atividade econômica, fazendo valer o princípio da especificidade, segundo o qual “a norma especial derroga a geral”.A esse respeito, saliente-se que, no julgamento do Agravo Regimental interposto contra decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 433.195-1/RS, foi ressaltada a manifestação da Procuradoria-Geral da República, cujos termos dispõem:

Com efeito, não ofende o princípio da unicidade sindical, a criação de sindicato por desmembramento do preexistente, desde que, observando os requisitos impostos pela norma trabalhista e pela Constituição, satisfaça a base territorial mínima, porquanto a lei visa à defesa dos trabalhadores e empregadores, e não a manutenção da pessoa jurídica.

  1. Importa ressaltar que o art. 571 consolidado considera cabível o desmembramento de sindicato para formação de entidade sindical mais específica, desde que o novo sindicato, a juízo da Comissão de Enquadramento Sindical, ofereça possibilidade de vida associativa regular e de ação sindical eficiente. Com base nessas assertivas, a jurisprudência da SDC do TST firmou-se no sentido de que, se há conflito de representação entre dois sindicatos, deve prevalecer o princípio da especificidade, justificando-se esse posicionamento pelo contexto em que as entidades sindicais que representam categorias específicas podem exercer sua representatividade atendendo com maior presteza aos interesses de seus representados, veja-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. REPRESENTAÇÃO SINDICAL. CONFLITO ENTRE SINDICATOS PATRONAIS ESPECÍFICOS DE BASE ESTADUAL (SINDIMACO E SINCOVAGA) E ECLÉTICO DE BASE MUNICIPAL (SINDIVAREJO). Não se dá provimento a agravo de instrumento que pretende destrancar recurso de revista interposto em desacordo com o art. 896 da CLT. Verifica-se que o Tribunal Regional decidiu em consonância com o art. 570 da CLT, que estabelece como regra a especificidade das categorias econômicas e profissionais, considerando legítimo a representar as categorias econômicas os sindicatos mais específicos, embora de base estadual, em detrimento do sindicato mais amplo, de base municipal. Agravo de instrumento a que se nega provimento. AIRR – 102000-38.2009.5.18.0131. Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa.

  1. O mesmo entendimento tem prevalecido no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, in verbis:

EMENTA: SINDICATO. DESMEMBRAMENTO. DIREITO À LIBERDADE SINDICAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE. O fato de os servidores do Poder Judiciário Federal encontrarem-se submetidos a um regime jurídico único, disciplinado pela Lei n. 11.416/2006 não impede que se considere como categoria específica, para fins de desmembramento ou dissociação sindical, aqueles servidores vinculados aos quadros de cada Justiça Especializada que integra o Poder Judiciário da União – a saber, Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar (art. 20 do mesmo diploma). Não se trata de legitimar o fracionamento de uma mesma categoria, mas sim de reconhecer que dentro de uma categoria genérica destacam-se seguimentos que, dadas as similitudes das condições de trabalho em comum, podem fazer-se representar por entidades sindicais distintas, de forma a ter seus interesses melhor defendidos, tudo conforme permissivo contido no art. 511 da CLT. Deste modo, tem-se que a existência de entidades sindicais representativas de estratos diferenciados da ampla categoria dos servidores públicos do Poder Judiciário Federal não representa ofensa ao princípio da unicidade sindical. (Processo n. 00372-2009-010-10-00-5 RO, TRT/10ª Região, 1ª Turma; Relator Desembargador André R. P. V. Damasceno, Julgado em 09/11/2010, Publicado em 17/01/2011 no DEJT).

  1. Há de se ressaltar que, em várias oportunidades, o Supremo Tribunal Federal, posicionou-se acerca da recepção, pelo art. 8º da Constituição Federal de 1988, das disposições do art. 570 da CLT, no que tange especificamente à organização sindical por categorias econômicas ou profissionais específicas (Precedentes: STF-RMS nº 21.305-1-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 29.11.1991; STF-RMS-24.069-9-DF, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 24/06/2005).
  2. Assim que, havendo controvérsia sobre a representatividade dos empregadores ou empregados de uma mesma base territorial, deve a legitimidade ser conferida ao sindicato mais específico e não ao eclético (que congrega atividades, profissões ou categorias similares ou conexas), pois aquele certamente estará mais familiarizado com as reais necessidades dos representados.
  3. Donde se extrai que, conforme já ressalvado, o caput do art. 570 da CLT preconiza que a regra geral que deve nortear a constituição de sindicatos é a da especificidade das categorias econômicas e profissionais neles congregadas. Por outro lado, de acordo com a inteligência dos artigos 570 e 571 da CLT, recepcionados em sua essência pela CF/88, havendo aglutinação de categorias similares ou conexas num mesmo sindicato, os trabalhadores integrantes de uma delas poderão deliberar acerca da necessidade e conveniência de criar um sindicato específico, mediante dissociação do sindicato principal.
  4. Resolvida a questão relacionada à possibilidade de organização de sindicato específico para a representação de categoria específica, cumpre-se elucidar a questão pertinente à caracterização de categoria profissional dos analistas judiciários, como membros de carreira específica designada pelo art. 2º, I, da Lei n. 11.416, de 15 de dezembro de 2006.
  5. Ora que, ao contrário do que o senso comum leva a crer, a caracterização da categoria profissional de servidores públicos não está condicionada à caracterização da categoria específica como categoria diferenciada. Referido conceito, contido no §3º do art. 511 da CLT, na verdade, é mesmo irrelevante para efeito de organização sindical de servidores públicos, tendo sua eficácia restrita ao modelo de enquadramento sindical conforme a atividade preponderante da empresa, como no caso, por exemplo, de aplicação de instrumento coletivo a empregado integrante de categoria profissional diferenciada (vide Súm. 374 do TST). É equivocada, nessa esteira, a conclusão que submete a caracterização de categoria profissional de servidores públicos à edição de lei específica para regulamentação e uma determinada carreira, já que a diferenciação entre categorias acompanha, exatamente, a organização da carreira, independente de lei apartada ou estatuto específico para tanto.
  6. É nessa esteira que se organizaram várias entidades sindicais específicas, representantes exclusivas de determinada carreira, com o devido registro sindical concedido pelo então Ministério do Trabalho e Emprego, independentemente de estatuto específico. A título de exemplo podemos citar: o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federa; do Brasil – SINDIFISCO; o Sindicato nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil – SINDIRECEITA; o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT; o Sindicato Nacional dos Servidores do Plano Especial de Cargos da Polícia Federal – SIMPECPF; o Sindicato Nacional dos Delegados de Polícia – SINDPOL; etc.
  7. Registre-se, ademais, que as carreiras representadas de forma específica e exclusiva, respectivamente, pelo SINDIFISCO, SINDIRECEITA E SINAIT – todos servidores integrantes do Poder Executivo Federal -, são regulamentadas pela mesma Lei, qual seja, a Lei n. 10.593, de 6 de dezembro de 2002.
  8. Os casos acima são claros a elucidar que, havendo carreira específica, há a possibilidade de organização em sindicato específico.
  9. No caso concreto, a análise da Lei n. 11.416/2006 revela não se tratarem os analistas de nível superior, técnicos e auxiliares de integrantes de uma única carreira, mas de carreiras específicas e diversas entre si,
  10. Veja-se que a Lei n. 11.416/2006, que ‘dispõe sobre as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União’, se refere a carreiras com flexão gramatical de número no PLURAL. Apenas essa simples constatação já leva à dedução lógica e óbvia de o Poder Judiciário da União comportar mais de uma carreira de servidores que, neste contexto, tem acepção gramatical análoga a de categoria.
  11. Nesse sentido, repita-se, o art. 2º da Lei n. 11.416/2006 informa que ‘os quadros de pessoal efetivo do Poder Judiciário são compostos pelas seguintes carreiras, constituídas pelos respectivos cargos de provimento efetivo: I – Analista judiciário; II – Técnico judiciário; e III – Auxiliar judiciário’.
  12. Noutro momento, o art. 4º do aludido Diploma Legal estabelece que ‘as atribuições dos cargos serão descritas em regulamento, observado o seguinte: I – carreira de analista judiciário: atividades de planejamento; organização; coordenação; supervisão técnica; assessoramento; estudo; elaboração de laudos; pareceres ou informações e execução de tarefas de elevado grau de complexidade; II – carreira de técnico judiciário: execução de tarefas de suporte técnico e administrativo; III – carreira de auxiliar judiciário: atividades básicas de apoio operacional.
  13. Verifica-se, portanto, a distinção absoluta das carreiras do Poder Judiciário da União, constatada a partir de eixos centrais de suas atribuições, sendo que a carreira – ou categoria – de Analista Judiciário envolve atribuições voltadas à gestão pública, com elevado grau de complexidade, diferentemente das demais carreiras (categorias) elencadas. O fato de alguns tribunais admitirem que integrantes da carreira de técnico judiciário executem, em desvio de função, atribuições típicas da carreira de analista judiciário, não pode servir como justificativa legal para a inexistência tanto de carreiras específicas quanto de atribuições legais diferenciadas entre tais trabalhadores.
  14. Importante frisar, ainda, que a carreira de Analista Judiciário do Poder Judiciário da União, a partir desses eixos centrais de suas atribuições, o que corrobora a inequívoca similitude das condições de trabalho, desdobra-se em várias especialidades, sem prejuízos de outros desdobramentos contidos em regulamentos específicos dos Órgãos do Poder Judiciário da União, conforme consta da Portaria Conjunta n. 3, de 31/05/2007, expedida pelo STF, pelo CNJ, pelo STJ, pelo CJF, pelo TST, pelo CSJT, pelo STM, e pelo TJDFT.
  15. Mais ainda, destaca-se a absoluta ausência de “solidariedade de interesses” entre a carreira de Analista Judiciário e as carreiras de Técnicos e Auxiliares do Poder Judiciário da União, a justificar a sua dissociação em entidade representativa específica, vejamos.
  16. O renomado professor Arion Sayão Romita, entendendo categoria como a celula mater do enquadramento sindical no Brasil, define seu conceito como “o grupo cuja coesão emana da solidariedade de interesses dos indivíduos que, segundo o princípio da divisão do trabalho, colaboram no mesmo setor da produção econômica”.
  17. Extrai-se do escólio de Romita, portanto, que é condição sine qua non para a constituição de categoria a ser representada por entidade sindical haver solidariedade de interesses dos indivíduos que a integra. Não havendo ou estando maculada essa comunhão de interesses, prejudicada fica a condição essencial para a constituição de uma categoria profissional homogênea, o que pode também justificar a dissociação sindical, em prol da maior legitimação, eficiência e eficácia das representações sindicais, conforme vêm apontando a doutrina e a jurisprudência dominantes, visto que, certamente, o sindicato mais específico estará mais familiarizado com as reais necessidades dos seus representados, representando-os melhor, por consequência.
  18. Pois que, no caso em concreto, é inexistente a solidariedade de interesses entre os indivíduos integrantes da carreira de Analista e os indivíduos integrantes das carreiras de Técnicos e Auxiliares do Poder Judiciário da União, embora estes atualmente sejam representados, em primeiro grau, por sindicatos ecléticos que congregam, pelo critério de categorias similares e conexas, todas as categorias do Poder Judiciário da União.
  19. Mais do que a inexistência de solidariedade de interesses entre os indivíduos integrantes da carreira de Analista e os indivíduos integrantes das carreiras de Técnicos e Auxiliares do Poder Judiciário da União, há, hoje, um verdadeiro conflito de interesses, e esse fato, por si só, já justifica a sua dissociação, conforme consolidado na jurisprudência do e. Supremo Tribunal Federal, verbis:

EMENTA: Cisão de Federações – Licitude, no caso de ficar evidenciada a diferenciação de interesses econômicos entre duas espécies de trabalhadores, mesmo sendo conexas (art. 511, §1º, da CLT). A diversidade de interesses e a possibilidade de conflitos entre elas restaram apuradas pelo acórdão, cuja revisão nesta sede encontra óbice na Súmula 279 desta Corte. Inadmissibilidade da exigência de obediência às prescrições estatutárias da Federação mais antiga, tendo em vista a garantia de liberdade de instituição da nova entidade. (CF, art. 8º, II). Recurso extraordinário não conhecido. (RE217328, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTI), Primeira Turma, julgado em 21/03/2000, DJ 09-06-2000 pp-00032 EMENT VOL-01994-02 pp-00388).

  1. Vejamos.
  2. Há, notoriamente, uma reiteração de esforços por parte das entidades sindicais ecléticas no sentido de promover a ascenção/transposição dos cargos de nível médio para superior (sem concurso público), com a consequente criação de uma carreira única (analistas e técnicos), ferindo de morte os interesses dos Analistas, que poderão vir a ter seu cargo extinto, a bem da verdade.
  3. Ora, as entidades que atualmente representam, pelo critério de categorias similares e conexas, todas as categorias do Poder Judiciário da União (a exemplo do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal – SINDJUS/DF e da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União – FENAJUFE), vem priorizando, há muito e por razões estritamente político-partidárias, a defesa dos interesses coletivos de Técnicos e Auxiliares em detrimento dos interesses coletivos dos analistas.
  4. Um exemplo inequívoco dessa postura sindical é a proposta de um Plano de Cargos, Carreira (no singular!) e Remuneração – PCCR elaborado pelo SINDJUS/DF, e veiculada na Revista do SINDJUS/DF de dezembro de 2008, no qual está inserida eu seu art. 5º a intenção de transformar as carreiras do Poder Judiciário da União em uma carreira única, bem como promover a transposição dos cargos de nível médio (técnicos) para cargos de nível superior (Analistas e Oficiais de Justiça Avaliadores), inclusive para os servidores já integrantes da carreira de Técnico. Por meio dessa proposta do SINDJUS/DF, para além de o cargo de Técnico Judiciário passar a ser também de nível superior (cf. art. 20 do PCCR), a exemplo do cargo de Analista, passaria também a haver sobreposição da tabela de remuneração dos Técnicos e dos Analistas, configurando verdadeiro desmerecimento para aqueles que se esforçaram para ingressar em carreira mais concorrida, por meio de provas de concurso público mais exigentes, inclusive diante de atribuições regimentais mais complexas, para justamente auferir vencimentos mais vantajosos.
  5. Frise-se que essa intenção de sobrepor os vencimentos de Técnicos e Analistas é abertamente defendida como bandeira do SINDJUS/DF, tanto que publicado diversas vezes em Boletins Semanais daquele Sindicato. Enquanto isso, nada, absolutamente nada, se fala a respeito da necessária melhoria dos vencimentos dos analistas!
  6. Veja-se que essa questão (o conflito de interesses existente entre as entidades ecléticas e o SINAJUS) é, inclusive, de largo conhecimento pelo próprio Ministério Público do Trabalho, sendo objeto de mediação na forma do procedimento n. PA-MED-001428.2018.10.000/1.
  7. Diante desse quadro, indaga-se: qual entidade vai defender a melhoria dos vencimentos e das condições de trabalho dos analistas judiciários, a não ser o SINAJUS, um sindicato específico, organizado exclusivamente para a representação dos trabalhadores da carreira de analista judiciário do Poder Judiciário da União, na forma do art. 2, I, da Lei n. 11.416/2006? A resposta é óbvia.

SINAJUS

(*) GUILHERME DA HORA PEREIRA
Mestre em Direitos Sociais e Processos Reivindicatórios pelo Centro Universitário IESB; especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Advocacia da OAB/DF e em Direito Sindical pelo Centro Universitário IESB; membro da Comissão de Direito do Trabalho e Sindical da OAB/DF e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DF para o biênio 2019/2020; integra a Associação Íbero-Americana de Juristas de Direito do Trabalho e Seguridade Social desde 2015 e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia desde 2017; Tesoureiro da Associação dos Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania – ADJC para o triênio 2019-2021; membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Sociabilidade e Serviço Social – TRASSO (Universidade de Brasília – UnB) e do Grupo de Pesquisa: A garantia do mínimo existencial: análise da jurisprudência do STF (Centro Universitário IESB).