Dos 4.077 entrevistados  em unidades federal e estaduais, 85% apresentaram um risco aumentado de adoecimento psicológico e 42,4% disseram que começaram tratamento após ingresso nas instituições

Anajus Notícias
28/03/2023

Uma pesquisa encomendada para analisar os riscos psicossociais no Ministério Público brasileiro surpreendeu ao indicar recorrentes hostilidades da parte de superiores hierárquicos contra os servidores das instituições a níveis federal e estaduais. Isso foi constatado nas respostas relacionadas à violência psicológica e ao assédio no ambiente de trabalho.

Divulgada nesta semana pelo jornal “Folha de S. Paulo”, a pesquisa foi entregue em julho de 2021 com a reivindicação da criação de um programa de saúde mental junto ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que encomendou o trabalho por meio de sua Comissão de Saúde. Para ler o relatório final da pesquisa divulgado, CLIQUE AQUI.

Entre os supostos assediadores, os servidores citaram subprocuradores, procuradores e seus assessores, tanto comissionados quanto em cargos efetivos.

O Ministério Público, nas diferentes esferas, tem entre suas funções zelar pelos interesses sociais e individuais. O CNMP é composto, em sua maioria, por procuradores, além de advogados e representantes da magistratura e do Congresso Nacional.

“A gente vinha percebendo o adoecimento dos colegas, tanto por sobrecarga de tarefas quanto por causa dos assédios no ambiente de trabalho, mas todo mundo tem medo de falar por causa do risco de represália, e a gente ficava limitado”, diz Erica Oliveira, que trabalha na Fenamp (Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais), segundo a reportagem. “O levantamento trouxe estatística para demonstrar a urgência em relação à questão e nos deu os dados para que pudesse fazer reivindicações”, prossegue.

Contexto da pandemia

Intitulada “Atenção à Saúde Mental de Membros e Servidores do Ministério Público: fatores psicossociais no trabalho no contexto da pandemia de Covid-19“, a pesquisa foi concluída em outubro de 2021, quando a maioria estava em home office. Para os pesquisadores, ela mede o ambiente laboral como um todo, e as respostas podem ter sido mais francas por causa do distanciamento físico da repartição pública.

A pesquisa, realizada pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e sua fundação, a FAURGS, ouviu 4.077 integrantes do Ministério Público em 26 estados e do Distrito Federal, entre membros e servidores efetivos e em cargos de comissão.

No estudo, 77,2% dos entrevistados afirmaram ter sofrido algum tipo de constrangimento emocional, sendo que 50,1% se declararam vítimas de assédio moral e outros 27,1% disseram que foram alvo de violência psicológica.

Do total de participantes 6,7% afirmaram já terem pensado em acabar com a própria vida.

Do total, 85% apresentaram um risco aumentado de adoecimento psicológico. Quando perguntado se havia iniciado algum tratamento de saúde mental após o ingresso na instituição, 42,4% responderam que sim, sendo que 16,5% afirmaram ter recorrido a um psicológico, 6%, um psiquiatra, e 19,9%, a ambos.

O estudo concluiu que os problemas eram ignorados. Prevalecia a percepção entre os servidores que a melhor alternativa para manter o bom ambiente no trabalho era ficar calado. Tristeza, revolta, impotência, medo e frustração são alguns dos sentimentos listados por quem foi alvo ou testemunha de uma agressão psicológica.

A pesquisa transcreve declarações anônimas de assédio, tanto moral como sexual. Houve relatos de importunação, como o chefe dizer constantemente a uma servidora as vantagens de sair com ele. Humilhação, como ser obrigado a catar papel no chão ou ser repreendido na frente de colegas por não atender rapidamente uma demanda.

O assediador pune quando é denunciado. Costuma processar o autor da denúncia, tanto na esfera administrativa quanto na Justiça, inclusive criminalmente. Mesmo que perca todos os pleitos, o acusado de assédio continua abrindo processos, inviabilizando a vida profissional de quem fez a denuncia.

O QUE DIZ O CNMP

Por meio da assessoria de comunicação, o CNMP lembrou que a pesquisa foi realizada por iniciativa própria e disse que será analisada em todos os seus aspectos para embasar a construção de uma política unificada de saúde mental.

O Conselho afirmou que pretende, a partir dos resultados da pesquisa, propor uma política unificada de saúde mental, considerando que cada unidade ou ramo do Ministério Público desenvolve políticas próprias nessa área.

Dentro do movimento de instalação dessa política, o CNMP destacou algumas iniciativas. Reforçou que, ainda em 2021, publicou o “Relatório de Riscos Psicossociais no Ministério Público Brasileiro”, com as principais informações sobre o levantamento, e também promoveu o programa “Diálogos Interinstitucionais em Saúde”, para debater os resultados da pesquisa.

DEPOIMENTOS RELATADOS NA PESQUISA

“Como era um assediador que assediava todas no ambiente de trabalho, ficava incomodada pensando em quando seria minha vez novamente.”

“Fiquei muito preocupada com a chance de cair numa lotação mais difícil, principalmente com as notícias de assédio sexual. Me submeti a uma carga maior de trabalho com medo de parar num local com assédio sexual.”

“Da última vez que meu chefe passou a gritar comigo em frente aos estagiários, eu não tinha coragem nem de olhar meus filhos nos olhos…”

“Me cria revolta quando amigos e colegas são injustiçados, mas nossa instituição não nos permite muita liberdade e respaldo para questionar.”

“Apenas aumentou a minha vergonha de trabalhar na instituição que se diz defensora da sociedade, mas que submete terceirizados e comissionados constantemente a situações de abuso e desrespeito aos direitos.”

“Fiquei bem abalado, pois aconteceu comigo, isso afetou minha vida privada e familiar, algumas vezes chorava e ficava muito triste, a ponto de amigos e familiares, na época do ocorrido, sempre perguntarem se estava tudo bem comigo, quando chegava no trabalho já ficara imaginando o que iria acontecer. Apesar de sempre receber ameaças, graças a Deus essas pessoas saíram do meu setor, pois além de me causar sofrimento, deixavam o ambiente de trabalho pesado.”

Com informações da Folha de S. Paulo