A reportagem da Folha Dirigida conversou com o professor Renato Lacerda, do Gran Cursos Online, que ajudou a explicar esses motivos.
Folha Dirigida
27/10/2020
Certamente você já deve ter ouvido por aí a frase “O serviço público não funciona!“, mas o que será que ela subentende? Quais análises podem ser feitas por trás dessa afirmativa? E o mais importante: será que a culpa é do servidor?
Às vésperas do Dia do Servidor Público, que será comemorado nesta quarta-feira, 28, a Folha Dirigida resolveu acabar com essa falácia de que a culpa é sempre do servidor.
Afinal, o serviço público de fato é composto por diversos fatores e envolvem vários níveis hierárquicos, bem como englobam órgãos, entidades, estruturas e métodos.
Por isso, será que é correto e justo colocar a culpa de um serviço deficitário apenas no servidor público? A resposta é clara: não!
O servidor público pode até ter a sua parcela de culpa. Até porque, todos estão sujeitos a erros e equívocos. Mas, deixar de fora maiores envolvidos e justificativas mais plausíveis para possíveis descasos de serviços prestados pode ser incoerente.
Por isso, convidamos e conversamos com professor, administrador e especialista, Renato Lacerda, para trazer fatos e ajudar a exemplificar mais motivos. Ficou curioso? Então continue até o final dessa matéria.
Por que as pessoas afirmam que o serviço público não funciona?
A expressão já vem sendo utilizada há tempos, e não é de hoje que a eficácia dos serviços prestados nos órgãos públicos do nosso país são questionados.
Uma prova disso foi uma recente pesquisa realizada pelo Instituto Suíço, IMD, que colocou o Brasil em uma classificação que só supera quatro de 59 países.
O IMD classificou a eficiência da gestão pública de diversos países e o Brasil ocupou a 55º lugar, ficando à frente apenas de Grécia, Argentina, Ucrânia e Venezuela. Ou seja, o país ocupa a quinta pior colocação.
O professor de Administração Pública do Gran Cursos Online, Renato Lacerda, comenta sobre o resultado desta pesquisa, colocando a culpa no baixo investimento feito pelos países que se encontram nas piores colocações.
“Acredito que os resultados reflitam uma realidade observável, dado o baixo investimento no serviço público feito pelos países citados. Contudo, é preciso se desconstruir a linha argumentativa falaciosa que atribui responsabilidade da má qualidade aos servidores: são questões estruturais, de priorização e do sistema de gestão que tornam os serviços públicos ruins. “
Renato, que também é administrador e analista de gestão pública do MPU, afirma que todo esse cenário também pode ser atribuída uma culpa à legislação, quanto ao caráter protecionista da Constituição de 1988.
Mas, ele relembra que todas essas séries de benefícios que foram concedidos e citados pela Constituição, vieram a ser corrigidos posteriormente por emendas. Mas, que série de benefícios seriam esses?
- aposentadoria integral sem tempo de contribuição
- estabilidade irrestrita
- ausência de teto remuneratório
Esses são alguns exemplos citados pelo professor, que comenta que por muito tempo disseminou-se uma mentalidade que o serviço público é uma ocupação ‘rendosa’ de pouco trabalho, muito por conta dessas justificativas acima.
“Outro ponto que reforça essa visão foi o denominado “trem da alegria”, que também por meio da constituinte de 1985 deu estabilidade a diversos servidores sem que tivessem feito concurso público. A grande verdade é que os servidores são vilanizados, sem que se considerem as questões estruturais por trás da máquina pública, o que inclui o modelo de gestão e o baixo investimento que o Estado faz em melhorias nos sistemas de gestão de pessoas, de treinamento, de avaliação do desempenho e em tecnologias aplicadas à gestão, por exemplo.
3 motivos para não culpar o servidor público
Mas, se a culpa não é do servidor, ela é de quem então? Antes de mais nada, é preciso entender uma premissa muito importante: o serviço público engloba diversos meios e envolvidos, nos diferentes processos.
Processos estes que não dependem somente do servidor, como já mencionado. E, por isso, o professor e especialista, Renato Lacerda, elenca 3 motivos dos motivos principais que você precisa conhecer para não culpar o servidor público.
“Mas como assim principais?” Isso mesmo, não vai pensando que três são pouco e que são apenas estes, pois é possível desmembrar inúmeras justificativas que não passam pela responsabilidade do servidor público.
Este é um problema que já ultrapassa as mãos de quem opera, de fato, os trabalhos à frente (no que se refere a estar visível, não no comando).
“De fato, o serviço público brasileiro está longe de ser um referencial de excelência e qualidade na prestação”, comenta o especialista
#1 Avaliação de desempenho precária
O primeiro motivo elencado por Renato foi uma avaliação de desempenho precária, que pode colocar em risco as atividades prestadas no serviço público. Ele comenta, ainda, que não há uma cultura avaliativa no serviço público.
Segundo Renato, grande parte dos gestores são complacentes e atribuem notas altas sem que haja correspondência com o seu devido desempenho.
Mas, qual o motivo disso? Podem haver vários, como o fato de não querer se indispor, como também para não ‘perder tempo’ avaliando. Isso deixa claro a falta de zelo e pouca importância com o instrumento avaliativo, que seria de grande valia para o decorrer do processo.
#2 Péssimas condições de trabalho
Imagina só, você que não é servidor público: trabalhar em um setor administrativo cujos computadores são lentos e a internet não funciona; trabalhar em determinada loja que não te dá nenhuma capacitação ou treinamento de como abordar clientes; ou trabalhar em um local com cadeiras desconfortáveis, sem água, luz instável e com falta de pessoal.
Nessas três condições acima, você se sentiria confortável para prestar um serviço de qualidade? Como você se sentiria nessa situação, podendo haver pressão por parte de superiores?
É o que pode acontecer muita das vezes com os servidores públicos. A vontade de prestar um serviço público de excelência poderá sempre existir, mas será que existem as condições básicas?
Ou será que sempre serão as mesmas péssimas condições de trabalho, precárias e que dificultam o dia a dia dos profissionais. Essa afirmativa é consequência de descaso, e que mais uma vez não envolve o servidor. Impossível atrelar a ele essa culpa.
“Demarcadamente, a área de Saúde é a de menor qualidade percebida pelos usuários. Contudo, não se deve atribuir culpa exclusiva aos servidores. As condições de trabalho são precárias, o Estado não investe em tecnologias avançadas, há uma péssima gestão de recursos materiais, patrimoniais e humanos, o que se associa aos baixos salários praticados, que minam a motivação dos servidores que precisam atender milhares de pessoas sem condições estruturais mínimas”, diz Renato.
#3 Descontinuidade da gestão e caráter político
É notório que, também, devemos atrelar culpa aos governantes e gestores. Eles precisam se responsabilizar por grande parte do sistema deficitário que está o atual serviço público do país, como um todo.
Renato ainda explica que boa parte dos ocupantes a cargos de direção ocupam mandatos, e não tem como característica um caráter técnico ou mérito para estar exercendo tal cargo, mas sim loteamento e apadrinhamento.
Dessa forma, ele comenta que cada vez mais isso traz fragilidade ao sistema de gestão e faz do servidor público um refém da boa vontade e espera por gestores honestos, que prestem serviço pensando no bem social e não próprio.
“Isso fragiliza o sistema de gestão, que não é guiado por servidores de carreira o que enfraquece o caráter técnico, pois tais gestores não possuem conhecimento da realidade para entender as demandas e agendas das pastas que ocupam”, comenta Renato.
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