Encaminhada pela gestão Bolsonaro, PEC tem sido defendida por Arthur Lira, mas não conta com simpatia do governo
JOTA
06/09/2023
O governo federal finaliza os detalhes de um pacote que deve se contrapor ao texto da reforma administrativa que tramita na Câmara dos Deputados, a PEC 32. O conjunto de medidas, discutido na terça-feira (5/9) em reunião — com a presença dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Gestão e da Inovação (MGI), Esther Dweck e do Planejamento, Simone Tebet, além da secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior — é formado por propostas que já tramitam no Congresso, novos projetos de lei e iniciativas que não demandam alterações legislativas.
Esse pacote ainda precisa ser aprovado pelo presidente Lula (PT), que viaja para a Índia nesta quinta-feira [7/9], onde participa da reunião do G-20, com retorno previsto para o próximo dia 11 de setembro. Há expectativa de que os detalhes das ações sejam apresentados oficialmente somente após essa data.
O plano, construído pelo MGI, tem como objetivo reduzir distorções no serviço público e permitir que o Estado seja mais efetivo e produtivo ao longo dos próximos anos. A estratégia de apresentar um pacote que se contraponha à PEC 32, apenas com propostas infraconstitucionais, foi revelado pela ministra Esther Dweck, em entrevista ao JOTA, em agosto. A produção das ações, no entanto, já estava em curso antes mesmo de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), retomar a pressão pela análise da PEC 32, texto que é rechaçado pelo governo.
A atuação do parlamentar, inclusive, tem sido analisada como tendo objetivos de contrabalançar a pressão do governo por medidas de receita para zerar o déficit primário ano que vem e melhorar os resultados fiscais nos anos seguintes.
A iniciativa de Lira, porém, é muito mais um jogo político e retórico, mirando em grande medida os atores do mercado financeiro, do que uma ação que, mesmo que siga adiante, tenha impactos relevantes no curto e médio prazo no lado do gasto e, consequentemente, nas metas de primário.
Ações no Congresso
No que diz respeito às propostas que já tramitam no Congresso, destaque para o projeto dos concursos (PL 2258/2022) e o que combate os supersalários (PL 6.726/2016). As duas propostas foram citadas, na terça-feira (5/9), pelo ministro Fernando Haddad, que se mostrou disposto a “discutir vivamente” o PL dos supersalários. O texto discrimina os tipos de rendimentos extras de servidores da ativa, aposentados e pensionistas e disciplina quais deles podem ficar fora do teto constitucional, hoje de R$ 41.650,92.
“A lei dos supersalários pode disciplinar uma coisa importante, que é pôr fim a determinados privilégios. E significa uma economia robusta para o Estado brasileiro, fora o debate sobre a moralização do serviço público”, afirmou Haddad.
Em relação ao PL dos Concursos, o governo ainda tem divergências a serem superadas. Segmentos mais próximos ao funcionalismo são resistentes ao avanço da proposta, que abre caminho para que os certames tenham avaliações de competências, habilidades e conhecimento, inclusive, com aplicação de exame de higidez mental ou teste psicotécnico.
Há um consenso de que esse texto, se for abraçado pelo Executivo, precisará de aperfeiçoamento, o que foi, inclusive, manifestado por Haddad na terça-feira. Ocorre que a tramitação legislativa – o PL tem mais de 20 anos e um substitutivo ao texto já teve aprovação pela Câmara – cria obstáculos para mudanças no mérito da proposta. Os dois projetos estão parados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal.
Distorções nas carreiras do funcionalismo
No que diz respeito ao enfrentamento de distorções nas carreiras do funcionalismo, cada uma com sua própria legislação, o governo aposta na apresentação de um projeto de lei com normas gerais que ataquem três frentes: avaliação, progressão na carreira e capacitação. Espera-se inovações relacionadas às regras para promoções e para o desligamento do servidor por mau desempenho. Esse tema é discutido no âmbito de um grupo de trabalho do MGI, que analisa todo o arcabouço jurídico relacionado ao serviço público, cujo resultado deve ser conhecido no começo de 2024.
O Ministério da Gestão, igualmente, prepara uma proposta dedicada aos temporários, que hoje representam uma força de trabalho cada vez mais importante no funcionalismo. Na avaliação de técnicos do governo, esses funcionários precisam de alguma proteção para o desempenho das atividades, uma vez que não estão contemplados nem pelas regras do serviço público nem pela legislação dos trabalhadores celetistas.
O pacote também se propõe a estimular a presença no serviço público de jovens que hoje não estudam e não trabalham. Segundo o relatório Education at a Glance, divulgado, em junho, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o segundo país, de um total de 37 analisados, com maior proporção de jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que não estudam e não trabalham, ficando atrás apenas da África do Sul. Na faixa etária considerada no relatório, 36% dos jovens brasileiros vivem nessa situação.
O conjunto de ações traz ainda medidas que pretendem estimular a diversidade nos diferentes segmentos do serviço público.
Transformação digital
O pacote também deve destacar iniciativas que já estão em curso e que não demandam nova legislação. A mais recente é o provão, que tem como objetivo democratizar o acesso aos concursos nas diferentes cidades e, ao mesmo tempo, criar condições para o planejamento de um sistema de seleções periódicas no país. O primeiro provão, inspirado na experiência do Enem e que deve contemplar quase oito mil vagas em mais de 60 órgãos, está previsto para o dia 25 de fevereiro de 2024.
Além disso, estão avançadas e – serão salientadas no pacote – as iniciativas voltadas à transformação digital. A Estratégia Nacional de Governo Digital, em debate entre União, estados e municípios, será consolidada ainda este ano e, segundo o MGI, deve orientar como cada ente federado vai elaborar sua própria estratégia, em alinhamento à política nacional para o setor.
Reforma administrativa de Bolsonaro: PEC 32
Enviada em setembro de 2020 pela gestão anterior, a proposta de emenda à Constituição 32 chegou a ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, mas parou na Comissão Especial destinada a analisá-la diante das demais agendas prioritárias de então.
A PEC pretende mudanças muito mais amplas do que as almejadas até o momento pelo governo Lula, alterando de forma mais profunda a organização do poder público.
Os principais eixos de mudanças da proposta, que valeriam, em sua maioria, para quem ingressasse no setor público após aprovação pelo Congresso, tratam de contratações, remuneração de servidores e demissões.
Entre outros pontos muito criticados, a PEC estabelece avaliações de desempenho e de aptidão para efetivação no cargo público após concurso, e também propõe seleções simplificadas, para vagas temporárias.
Outro ponto polêmico na proposta é o fim da estabilidade no serviço público, determinando, por exemplo, avaliação de desempenho também para os servidores que já estão no cargo.
A PEC prevê ainda regulamentação de alguns dispositivos – como exigência da criação de novos regimes jurídicos específicos para servidores –, após aprovação e promulgação pelo Congresso.