“É necessário que o governo considere rever distorções e privilégios, mas também que pense no ecossistema do servidor como um todo.”
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LUANA TAVARES
04/03/2020
A democracia e o desenvolvimento de uma nação dependem de um serviço público de qualidade e responsável perante a sociedade. Um município, estado ou país tem em seu alicerce o esforço, dedicação e trabalho de milhares de servidores. Estes cidadãos carregam consigo a responsabilidade de estabelecer um elo entre o Poder Público e a população, prestando serviços essenciais à população.
Há um mito de que todo funcionário público não trabalha, é incompetente e ganha demais. A grande maioria das corporações de servidores alimentam esse mito, na medida em que lutam por privilégios, vantagens, gratificações e penduricalhos, em detrimento do fundamental, que é garantir a execução dos serviços públicos de forma eficiente e profissionalizar seu corpo de funcionários.
É preciso parar de debitar a culpa da ineficiência a todo e qualquer servidor público. Temos no setor público um problema sistêmico. Não se valoriza quem entrega mais, não se penaliza quem não entrega. A discussão mais importante é sobre o modelo ao qual chegamos, que transformou a máquina pública do Brasil em uma fábrica de ineficiência e desmotivação.
Não há dúvidas de que o contexto da gestão de pessoas no setor público é complexo e o custo da máquina coloca cada vez mais em segundo plano o cidadão. Segundo estudos do Banco Mundial, nos últimos vinte anos, o quantitativo de servidores públicos federais cresceu mais de 80%. Como consequência, as despesas com pessoal aumentaram consideravelmente: em 2019, o Estado brasileiro gastou mais de 13% do produto interno bruto (PIB) com o pagamento de salários de servidores, de acordo com dados do Tesouro Nacional. A máquina custa alto e não entrega com qualidade. Nossos índices de satisfação com saúde, educação, segurança e judiciário estão entre os mais baixos dentre um conjunto amplo de países analisados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Manter a folha de pagamentos do setor público tem se mostrado cada vez mais insustentável. Assim, tem crescido a preocupação do governo por uma reforma administrativa que torne sua gestão de pessoas mais eficiente, propiciando o necessário ajuste das contas públicas. Mas será que colocar toda a culpa no servidor público é a solução? O sistema não carece de reestruturação nos mecanismos de recursos humanos? A resposta para essas perguntas passa impreterivelmente pela criação de um novo modelo de incentivos.
Nem se discute a necessidade da reforma administrativa, mas a questão é que ela não pode se resumir a cortes e contenções, nem pode ter como finalidade apenas o igualmente necessário equilíbrio das contas públicas. As mudanças devem ter como princípio a reorganização profunda do serviço público, combinando meritocracia e mecanismos de participação social, como também responsabilização e motivação dos servidores.
Se um sistema ineficiente ainda conseguiu produzir bons servidores, imagine o que será possível alcançar muito mais com organização e estrutura. Os gestores são trabalhadores que escolheram o ofício do “bem servir” e que se dedicam ao atendimento público nas mais diversas áreas. Nos departamentos de segurança, lutam pela preservação da integridade física do cidadão e, nos hospitais, salvam vidas e mantêm acesa a chama da luta pela existência.
Nas escolas, ministram o saber e semeiam o conhecimento, como a líder do Master em Gestão e Liderança Pública – MLG e atual Secretária de Educação de Campinas, Solange Villon. Em 2012, o município sofria com um déficit de mais de 9.000 vagas para crianças em idade não obrigatória. Seis anos depois, em 2018, com a sinergia das ações de Solange e sua equipe, Campinas atingiu a marca de 89% de atendimento da demanda manifesta.
Em todos os órgãos públicos há sempre a relevante participação do gestor, confirmando a importância de seu trabalho para a sociedade. É indiscutível, contudo, que o serviço público será remodelado, diante da necessidade de o governo controlar os gastos. Enquanto a proposta da reforma patina, a Frente Parlamentar da Reforma Administrativa criada pelo deputado Federal Tiago Mitraud já definiu os temas prioritários para mudanças no funcionalismo público: desburocratização, desempenho por competência e diretrizes para remuneração.
É necessário que o governo considere rever distorções e privilégios, mas também que pense no ecossistema do servidor como um todo. Reformar a administração pública por meio da valorização dos bons servidores é pré-condição para a promoção de um ajuste fiscal sustentável e eficiente. Se nada for feito, estaremos comprometendo o possível sucesso de outras reformas, também urgentes, de que o país precisa para impulsionar o desenvolvimento social e econômico.
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