Advogado defende que os operadores do Direito devem reconhecer a necessidade de recuperar o prestígio das instituições.
MIGALHAS
ENZO VASQUEZ
24/07/2020
É realmente estarrecedor assistir, todos os domingos, pessoas irem às ruas protestarem pela intervenção militar e o fechamento do Supremo Tribunal Federal. No entanto, é preciso olhar no espelho para entender os motivos da crise de imagem do Poder Judiciário. É preciso olhar para a cozinha, diriam alguns.
Isso porque é também estarrecedor que alguém se valha do cargo que ocupa – de verdadeiro prestígio, é importante ressaltar – para se negar a cumprir decretos municipais que visam, acima de tudo, preservar vidas. Indo além: é estarrecedor que qualquer pessoa se sinta à vontade para descumprir ordem legítima de funcionário público, fazer ligações de teor autoritário, rasgar uma multa, tudo isso enquanto acena para a câmera que grava toda a situação. O aceno para a câmera carrega uma forte carga simbólica: a lei vale para os outros, não para mim. Além de, claro, as ofensas que passam longe da cidadania esperada de todos, independente de cargo ou função.
Causa também um incômodo que o ministro Rogério Schietti precise vir a público escancarar que parte significativa do volume de trabalho das turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça se dá em razão de decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, que são em grande parte revertidas em superior instância. Mais incômodo ainda quando o Tribunal Bandeirante responde em nota oficial afirmando que atua com liberdade e independência, como se não houvesse uma necessidade de interlocução entre as Cortes. Que recado se pretende passar para a população?
Talvez o mesmo recado que se passa quando figuras conhecidas e carimbadas, que estão preventivamente presas, deixam (acertadamente, diga-se) as penitenciárias em razão de seu quadro de saúde frente a possibilidade de contrair covid-19, mas diversos outros presos preventivos que também sofrem risco de vida não recebem o mesmo tratamento. Ou quando, no mesmo dia, o ministro Gilmar Mendes reconhece a insignificância de um furto de peça de carne para absolver um acusado enquanto a ministra Rosa Weber não aplica o mesmo racional e nega liminar para manter preso preventivamente uma pessoa que havia furtado dois xampus. Há Supremos distintos?
Esses são só alguns exemplos das notícias do Poder Judiciário que estiveram nos jornais nos últimos 30 dias.
Daí porque louvável que o ministro Humberto Martins, corregedor Nacional de Justiça tenha reconhecido no pedido de providências no caso citado no início do artigo, o desgaste que situações como essa causam à imagem do Poder Judiciário. E mais: não só o CNJ, mas os outros órgãos com função de corregedoria, tanto no Ministério Público quanto na Ordem dos Advogados do Brasil precisam reconhecer o seu quinhão de responsabilidade na atual fragilidade da imagem do Poder Judiciário. Não há mais espaço para omissões ou conivências.
Nada justifica protestar pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal e o fim das instituições do Poder Judiciário. Mas é preciso que nós, operadores do Direito, reconheçamos a necessidade de limpar a cozinha para recuperar o prestígio das instituições.
*Enzo Vasquez Casavola Fachini é advogado criminalista, sócio proprietário do Fachini, Valentini e Ferraris Advogados. Especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas.
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