O Estado brasileiro não é grande ou inchado, ele é, sim, injusto. Ou seja, mal distribuído, especialmente, na oferta de bens e serviços para garantir os direitos sociais que a Constituição preconiza.
Sul21
16/09/2020
No Brasil, o debate sobre o tamanho do Estado gera opiniões diversas em relação ao seu papel, custo e qualidade do serviço prestado. Se por um lado, a ideia de um Estado enxuto, austero e mais eficiente seduz um número cada vez maior de pessoas, por outro, apontam especialistas, para reestruturar a administração pública, há que se levar em conta o universo de pessoas que depende dela para acessar direitos básicos, o investimento necessário para atender essa demanda e de que forma a ideia de qualidade x quantidade deve ser considerada no serviço público.
A Constituição brasileira define como dever do Estado oferecer uma série de direitos aos cidadãos de forma gratuita e universal. Saúde, Educação e Assistência Social estão nesta lista. Para garantir o acesso a centenas de milhões de brasileiros, a administração pública precisou crescer após 1988 e, de fato, expandiu consideravelmente sua infraestrutura e número de servidores públicos desde então, com relativo crescimento nos investimentos.
A nova proposta de Reforma Administrativa do Estado brasileiro, enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional no início de setembro, questiona justamente o tamanho e efeito dessa expansão e aponta os servidores federais como um grande peso aos cofres públicos que precisa ser reduzido.
Grandes números
Uma das mais importantes tendências verificadas no comportamento do serviço público brasileiro ao longo do tempo é, sem dúvida, o crescimento absoluto do número de servidores. Em 30 anos (1986 a 2017), o total de vínculos no funcionalismo público aumentou de 5,1 milhões para 11,4 milhões, uma expansão de 123% e crescimento médio anual de 2,5%. Os números são do Atlas do Estado Brasileiro, uma plataforma do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dedicada à análise do funcionalismo público no país, com base em dados oficiais.
De fato, os números absolutos do Brasil impressionam. E um olhar superficial sobre a grandeza dos dados tem, inclusive, ajudado a engrossar a tese do inchaço do Estado e respectivo peso dos servidores no orçamento. Entretanto, defende o professor Diogo Demarco (Administração/UFRGS), para tirar qualquer conclusão que determine mudanças, é fundamental uma análise mais apurada e contextualizada desse crescimento, que permita fazer as comparações necessárias para entender o que significa o tamanho do Estado brasileiro e o que de fato, precisa ser atacado.
Diogo é especialista em gestão e finanças públicas, com foco na realidade dos municípios latino-americanos. Como coordenador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Municipal (NupeGem/UFRGS), desenvolve estudos para analisar, criar e fortalecer o que se chama de “capacidades estatais de gestão” das administrações locais, o que envolve relação federativa e a oferta de mais e melhores serviços públicos.
“A tese de um Estado grande e inchado precisa de evidências e não de suposições e mitos que vão se criando”, introduz Demarco. “A primeira coisa é saber que parâmetros vamos utilizar para avaliar isso”, explica. “Somente o quantitativo não é um parâmetro para estabelecer comparações”.
O presidente da ADUFRGS-Sindical, Lúcio Vieira, concorda e afirma que reformas administrativas são necessárias em qualquer país que busca a excelência dos serviços públicos. “Identificadas as suas fragilidades, apresentam-se os aprimoramentos necessários, quer para melhorar um serviço, quer para ampliar a presença do estado”.
Para Demarco, “o Estado brasileiro não é grande ou inchado, ele é, sim, injusto. Ou seja, mal distribuído, especialmente, na oferta de bens e serviços para garantir os direitos sociais que a Constituição preconiza. O Estado brasileiro precisa, sem dúvida, de um chacoalhão, de um freio de arrumação dessa desigualdade, mas isso não pode ser feito a partir de um senso comum, de uma generalização que esconde as diferenças”.
As diferenças de que trata o professor, além da realidade distinta em cada nível da federação (municipal, estadual e federal), dizem respeito também às disparidades entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
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