Nota pública de defesa da Carreira de Analista Judiciário

A Associação Nacional dos Analistas do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (ANAJUS) reitera a sua defesa da autonomia da carreira de Analista Judiciário e manifesta a sua rejeição a qualquer proposta que vise à unificação das carreiras que integram a estrutura dos Quadros de Pessoal do Poder Judiciário da União. Leia a nota completa aqui.

Como se sabe, a Lei n. 11.416/2006 estabeleceu um complexo, mas suficientemente preciso, processo de gradual delimitação das atribuições inerentes a cada cargo das carreiras de servidores do Poder Judiciário da União, a partir da combinação das atividades (leia-se, funções) de cada cargo e das respectivas áreas de atuação.

Muito embora se deva reconhecer os esforços do legislador, a especificação das atribuições dos cargos do Quadro de Pessoal do Poder Judiciário mediante a combinação de atividade (função) e área de atividade não foi suficiente para que a falta de planejamento organizacional, de políticas de governança pública e de visão estratégica aplicada à gestão de pessoas permitisse o surgimento de um quadro sistêmico de desvio de função, conhecido por todos. Além de não ter sido combatido, o desvio funcional foi por vezes incentivado, inclusive por atos oficiais da própria Administração, o que desencadeou um lento processo de ruptura do modelo de carreiras previsto na Lei n. 11.416/2006.

Tal processo de erosão das bases legais de estruturação e separação de carreiras e cargos nos serviços auxiliares do Poder Judiciário representa, em última análise, uma ofensa à própria regra constitucional do concurso público (art. 37, inciso II, da Constituição Federal), pois permite que o servidor investido em determinado cargo público exerça, informalmente ou mediante designações ao exercício de funções comissionadas – designações estas de nítido caráter compensatório – as atribuições inerentes a outro cargo público.

Foi nesse contexto que surgiu o autodenominado movimento do “NS”, que defende a mudança do requisito de escolaridade para provimento do cargo de técnico judiciário de modo a exigir a formação em curso de ensino superior. Na redação originária da Lei n. 11.416/2006, o provimento do cargo de técnico judiciário exigia a formação em curso de ensino médio ou curso técnico equivalente. Após os reiterados pedidos de elaboração de projeto de lei não terem sido atendidos pelo STF, a quem incumbe a iniciativa exclusiva de lei sobre a matéria (art. 96, inciso II, alínea ‘b’, da Constituição Federal), esse movimento obteve êxito na inserção, por emenda parlamentar ao Projeto de Lei n. 3.662/22, de dispositivo na Lei nº 14.456/2022, que alterou o inciso II do art. 8º da Lei n. 11.416/2006 para impor a formação em “curso de ensino superior completo” como requisito para o provimento do cargo de técnico judiciário, a pretexto de conferir “maior eficácia do serviço público, com celeridade processual e resultando consequentemente em maior economia orçamentária (justificativa apresentada na emenda parlamentar da qual decorreu a alteração do requisito de escolaridade do cargo).

Precisamente após a entrada em vigor do novo requisito de escolaridade, observou-se o recrudescimento de um movimento que supostamente pretendia apenas promover maior economicidade e proteger o cargo de técnico judiciário de um ilusório processo de extinção do cargo. Com efeito, não obstante tenham defendido enfaticamente que a exigência de curso superior para o cargo não teria qualquer efeito ou impacto financeiro, as entidades sindicais e diversos movimentos classistas passaram a defender publicamente o retorno da denominada sobreposição de tabela salarial, que em linhas gerais consiste em assegurar ao técnico judiciário nos níveis finais da carreira a percepção da mesma remuneração do cargo de analista judiciário. A medida, além de seu altíssimo impacto orçamentário, não atende a qualquer interesse fundado em razões públicas (public reasons) ou mesmo republicanas; ao contrário, visam à acomodação de interesses particulares e corporativistas que desconsideram a persistente demanda por mão de obra especializada pelo Poder Judiciário da União, oferecida pelos analistas judiciários.

O que se percebe claramente é que há um grande movimento em curso, cujo propósito é nitidamente extinguir parte das atribuições hoje imputadas ao cargo de Analista para atribuí-las ao cargo de técnico judiciário, processo este que, se concluído, resultará na usurpação das atribuições do cargo de Analista e na redução da sua importância e do seu valor para as atividades funcionais de maior complexidade e relevância para o Poder Judiciário da União. Em última análise, o horizonte que espera o cargo de Analista Judiciário é a sua própria extinção, visto que a duplicidade ou sobreposição de atividades e funções, desempenhadas por cargos distintos, inevitavelmente implicará a extinção do cargo de analista, como medida de redução de ineficiência e estímulo à redução de custos em um contexto de redundância de atribuições, notadamente porque a remuneração do cargo de técnico judiciário é, atualmente, menor que a do analista judiciário.

Para a surpresa de poucos, todas as ações e medidas de ataque à Carreira de Analista até aqui mencionadas foram explicitamente aprovadas na XXIII Plenária Nacional da federação de sindicatos de servidores do Poder Judiciário da União. Com efeito, a XXIII Plenária Nacional da federação aprovou, dentre outras, as seguintes medidas que põem em risco a carreira de Analista Judiciário (confira o resumo das propostas aprovadas aqui):

      1. Unificação das atuais Carreiras de Auxiliar Judiciário, de Técnico Judiciário e Carreira de Analista Judiciário em uma única carreira que abrangerá os cargos de Técnico Judiciário e Analista Judiciário;
      2. Atualização, via alterações nas Portarias Conjuntas, das competências e atribuições dos cargos de analista judiciário e técnico judiciário em todas as suas áreas, conforme acúmulo já debatido nos últimos fóruns deliberativos (11º Congrejufe e Encontro Nacional de Carreira) além das contribuições que estão sendo apresentadas desde que não conflitem com tais decisões;
      3. Elaboração e estabelecimento de mecanismos de reclassificação do servidor na carreira que instituam oportunidades para o desenvolvimento pleno na Carreira Judiciária;
      4. Reenquadramento dos Técnicos Judiciários, enquadrados na área administrativa e lotados nas unidades judiciais no exercício direto da atividade judicante na área judiciária;
      5. Abertura no Fórum Permanente de Carreiras e Gestão de Pessoas do CNJ do debate da possibilidade de novo cargo para as atividades permanentes de nível médio que não podem mais ser ofertadas no cargo de Técnico Judiciário;
      6. Estrutura da malha salarial com superposição de 5 a 7 padrões entre a tabela de técnico e a de analista;
      7. Aprovação da demanda do Encontro Nacional de Carreira, consistente na superposição percentual de remuneração de 100/85/70 entre os cargos Analista/ Técnico/Auxiliar, de modo que o técnico judiciário perceba 85% da remuneração do Analista e o Auxiliar perceba 70% desse mesmo paradigma remuneratório.

É paradigmático que a primeira medida a ser aprovada a título de “valorização dos cargos e especialidades da carreira” seja, justamente, a extinção da carreira de Analista Judiciário para integrá-la em uma carreira única, denominada “Carreira Judiciária”, cujo objetivo é precisamente o de facilitar futura equiparação salarial e até mesmo a transformação dos cargos de técnico judiciário em cargos de analista judiciário, o que resultará na criação de um gigantesco “carreirão”, insustentável do ponto de vista financeiro e orçamentário e absolutamente desinteressante à Administração Judiciária sob o ponto de vista da gestão de pessoas e da governança pública.

Esse processo não seria uma novidade na Administração Pública Federal, a exemplo do que ocorreu na Receita Federal, na qual se promoveu uma reestruturação administrativa que transformou o cargo de técnico do Tesouro Nacional em Técnico da Receita Federal (MP n. 1.915/1999) e, posteriormente, em Analista-tributário da Receita Federal (Lei n 11.457/2007). A reestruturação foi validada pelo Supremo Tribunal Federal no recente julgamento das ADIs 4616, 4151 e 6966, no qual a Suprema Corte permitiu a transformação de cargos públicos em outros, desde que atendidos três requisitos: a similitude de atribuições dos cargos envolvidos, a equivalência salarial e a identidade dos requisitos de escolaridade.

É precisamente o que querem as entidades sindicais e sua respectiva federal: alterar as atribuições dos cargos de técnico e analista, de modo a aproximá-los em termos funcionais no plano normativo (ver itens ‘1’, ‘2’ e ‘4’ do resumo acima); estabelecer uma sobreposição salarial que promova uma equivalência remuneratória entre os cargos no percentual de 85% (ver itens ‘6’ e ‘7’), sendo certo que a identidade dos requisitos de escolaridade já foi alcançada com a vigência da Lei nº 14.456/2022, como visto acima.

Esse contexto nos leva a reiterar a defesa intransigente da manutenção da atual distinção entre as carreiras de analista, técnico e auxiliar no Poder Judiciário da União. A ANAJUS reitera o seu compromisso incondicional com a defesa da carreira de Analista Judiciário e conclama a todos os profissionais desta importante categoria profissional que se somem aos esforços de valorização de um cargo que desempenha relevantíssimo papel no apoio especializado ao exercício da função jurisdicional, exclusiva dos magistrados.

Leia a nota completa aqui.