Exigir a alteração do requisito de ingresso de escolaridade para o cargo de técnico judiciário fará com que sejam excluídos 86% da população brasileira
Por Guilherme Silva – MPDFT
Proposta de resolução apresentada ao último Congresso do Sindjus-DF 2017
Vale voltar a discutir a questão do Projeto NS (Nível Superior para Técnicos de Nível Médio) diante da retomada da defesa da proposta pela Fenajufe e sindicatos de servidores do Judiciário da União. Depois de não terem obtido resposta a oito pedidos de audiência com a ministra Cármen Lúcia, eles reencaminharam a ideia ao novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que tomou posse no dia 13 de setembro. É, portanto, oportuno voltar a mostrar os equívocos da proposta por atender contra a sociedade e ameaçar os direitos dos analistas de nível superior. Por isso, recupero a proposta de resolução apresentada ao último Congresso do Sindjus-DF 2017:
Acesso à graduação de nível superior no Brasil
1. Segundo a OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, apenas 14% dos adultos brasileiros chegaram ao ensino superior. O índice está bem abaixo dos países membros da organização tal como o Chile (21%), Colômbia (22%) e Costa Rica (23%). Os dados são da publicação Education at a Glance (2016) e compara dados de mais de 40 países. Segundo o relatório, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer na ampliação do acesso ao ensino superior e não conseguirá chegar aos índices dos países desenvolvidos nos próximos 50 anos dada a discrepância do gasto com educação por aluno. Segundo o relatório da OCDE, o gasto por aluno do ensino fundamental ao superior no Brasil foi de 5 mil dólares enquanto Luxemburgo, Noruega e EUA gastam mais de 15 mil dólares.
2. Os dados acima vão ao encontro da Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD) divulgada pelo IBGE e retratam as desigualdades no acesso a graduação pelas diferentes regiões do Brasil merecendo destaque o percentual de portadores da região Norte que chega a assombrosos 10,5%.
3. Essas pesquisas revelam que exigir a alteração do requisito de ingresso de escolaridade para o cargo de técnico judiciário fará com que sejam excluídos 86% da população brasileira do acesso aos cargos públicos desse Poder. Fará do Poder Judiciário um Poder totalmente elitista onde todos os cargos de seus ocupantes (do técnico, passando pelo analista e chegando ao juiz) sejam restritos aos portadores de diploma em nível superior.
4. Quando se considera qu, de acordo com pesquisa periódica conduzida pelo Instituto Paulo Montenegro em 2016, mais de 78% dos universitários sofrem com o analfabetismo funcional, ou seja, não conseguem compreender o que leem, exigir conclusão do curso de graduação é de uma crueldade atroz para o Brasil de hoje. A pesquisa avaliou o modo de estudar, o tempo de dedicação, características sócios-culturais e formação. A conclusão é que muitos universitários entram na faculdade sem ter o hábito de estudo, aprenderam o conteúdo de forma superficial, costumam decorar ao invés de entender e muitos são analfabetos funcionais.
5. É relevante destacar que se busca a atualização intelectual do imenso potencial criativo e crítico da cultura brasileira, francamente espoliada e subjugada a mesquinhos interesses ideológicos e políticos que continuam a assolar um povo inculto, despreparado e aparentemente sem caminhos imediatos disponíveis ao seu próprio crescimento intelectual.
6. Não apenas por isso, e também porque estamos situados no topo da pirâmide remuneratória e educacional brasileira, servidores com interesses mais elevados que a tibieza mental, tripudiação, revanchismo barato e submissão mental, deveriam se abster de opinar acerca de assuntos que desconhecem completamente, ou não se debruçaram tempo suficiente, considerando todas suas nuances. Principalmente quando apresentados ao contraditório e a novos elementos que não foram analisados.
7. Talvez essa dificuldade em compreender o que se lê, ou ainda estabelecer relação de causa e consequência seja um dos problemas dos que defendem bandeiras com potencial de destruir parcela da própria carreira.
8. A demanda corporativista dos técnicos desconhece totalmente a realidade brasileira e se aprovada vai fechar as portas de acesso ao Poder Judiciário a imensa maioria da população. Hoje, muitas famílias – por necessidade – preferem que seus filhos busquem um emprego no serviço público antes de ingressar no ensino superior. O funil é estreito, mas é uma janela de oportunidade que se abre para milhões de jovens, adultos e mesmo idosos no acesso aos cargos públicos. Com a aprovação da demanda corporativa, esse sonho será negado.
9. Casos como o da ex-catadora de latinhas Marilene Lopes que hoje é técnica do TJDFT ou o do ex-morador de rua Ismael Batista que hoje é técnico no STF, demonstram que em um país desigual como o Brasil o acesso aos cargos públicos é uma minúscula janela na busca da dignidade para a maioria da população brasileira. Infelizmente, essa janela irá se fechar em definitivo caso a demanda da alteração do requisito de ingresso seja aprovada em benefício próprio de uma pequena casta. Essa casta luta para fechar definitivamente as portas do Poder Judiciário brasileiro sob o falso e ignorante argumento de se fazer justiça com os integrantes da carreira de técnico judiciário. Irão na realidade cometer uma gigantesca injustiça com os brasileiros e estrangeiros que sonham um dia em ser técnicos do Poder judiciário. O STF, CNJ, tribunais em geral e é claro os Poderes Legislativo e Executivo devem ficar atentos a essa manobra corporativista que, se consolidada, será um atentado à população brasileira, considerando sua atual realidade de exclusão e desigualdades.