O Judiciário ainda é, no Brasil, a última barreira de proteção dos direitos civis
CONJUR
06/02/2019
Por Edu Perez de Oliveira e José Herval Sampaio Junior
A maior qualidade de um homem público é a coerência. Em 1913, há 105 anos, vaticinava Rui Barbosa em seu discurso O Caso do Amazonas (Senado Federal no então estado do Rio de Janeiro):
“O povo não tem representante porque as maiorias partidárias, reunidas nas duas casas do Congresso, distribuem a seu bel-prazer as cadeiras de uma e de outra casa, conforme os interesses das facções a que pertencem. O povo sabe que não tem justiça; o povo tem certeza de que não pode contar com os tribunais; o povo vê que todas as leis lhe falham como abrigo no momento em que delas precise, porque os governos seduzem os magistrados, os governos os corrompem, e, quando não podem dominar e seduzir, os desrespeitam, zombam das suas sentenças, e as mandam declarar inaplicáveis, constituindo-se desta arte no juiz supremo, no tribunal da última instância, na última corte de revisão das decisões da justiça brasileira”.
Apontava o famoso Águia de Haia a importância de o povo ver-se representado no Congresso e o risco da existência de juízes cooptados pelo esquema de corrupção e da desmoralização pelo sistema corrompido daqueles que se mantêm honestos.
O povo elege aqueles que acredita que irão representar os interesses da nação nas casas legislativas, que não tornarão a coisa pública joguete de interesses privados.
Que esperança lhe resta caso venha a assistir o triste espetáculo do abuso no manejo das leis ou do simples desrespeito ao ordenamento jurídico para fazer prevalecer, com a força, os interesses privados de quem representaria o público?
A esperança reside nos juízes. Se entre eles, como aponta Rui Barbosa, alguns forem corrompidos, se forem seduzidos pelo poder e se os magistrados honestos forem alijados desse mesmo poder, isolados, humilhados e desconsiderados, então só restará o desespero.
Não vamos nem devemos nos imiscuir na legítima disputa que houve no Senado, por sua Presidência, entre os senadores Renan Calheiros e Davi Alcolumbre, contudo, como fizemos na época em que o primeiro senador atingiu toda a magistratura ao se referir a um colega como juizeco, em estrito exercício de seu mister constitucional de tutelar os direitos de quem procura o Judiciário, vimos agora mostrar à sociedade quem, na prática, quer ser o Golias e, principalmente, destacar que todos, pequenos e gigantes, um dia, podem precisar da Justiça.
Sobre o primeiro aspecto, ficou muito claro que sua excelência e suas duas personalidades (o velho e o novo Renan) queriam a todo custo chegar, mais uma vez, à Presidência do Senado. No início do processo, como bom articulador que é, negou a pretensão, contudo, quando chegou a hora de a “onça beber água”, como se diz, mostrou suas garras e, por ironia do destino, para ser gigante ou permanecer em sua dupla personalidade, precisou justamente do Judiciário.
O Judiciário ainda é, no Brasil, a última barreira de proteção dos direitos civis. Os juízes brasileiros são, ainda são, aqueles a quem o cidadão pode recorrer. Mesmo em nossa imperfeição, pois faltam juízes e falta a estrutura para julgar milhões de processos, diariamente os juízes brasileiros, apenas para citar alguns exemplos, concedem inúmeras internações hospitalares, determinam a realização de cirurgias, concedem obrigações de prestação de alimentos a necessitados e lutam contra uma criminalidade organizada que por séculos subtraiu as riquezas deste país.
E também concede liminares, em caso de desobediência ao devido processo legislativo!
Não estamos aqui condenando a atitude do Senador em ir ao STF, por seu presidente, buscar a reparação de uma situação que em sua ótica feria ao regimento interno do Senado e até mesmo nossa Constituição e democracia, como o mesmo se arvora em suas entrevistas. Pelo contrário, achamos que ele e todos os cidadãos devem mesmo ir à Justiça, quando entendem que seus direitos estão sendo violados ou ameaçados.
É um dos maiores direitos de todo e qualquer cidadão, ou melhor, garantia constitucional processual de acesso à Justiça numa ótica material, na qual assegura a plena cidadania com o efetivo cumprimento de todos os demais direitos, em especiais os fundamentais.
O que chamamos atenção é a falta de coerência de sua excelência, pois até então atacava de modo indiscriminado todos os magistrados, fazendo uma campanha odiosa de que somos privilegiados e que o mal deste país está na magistratura, e recorre justamente a ela quando quer ter mais acesso ao poder.
O poder realmente embriaga, ou melhor, por ele vale tudo, até mesmo recorrer a quem costumeiramente é tido como o mal deste país.
Todos os juízes estarão à disposição de toda a sociedade 24 horas, independentemente de falarem mal ou não de nós, porque até mesmo os de má-fé, e infelizmente são muitos, nós temos o dever constitucional de atendê-los e de forma eficiente, como impõe o artigo de 37 de nossa Carta Magna.
Quando agimos, presentando o Estado-juiz, não temos vontade própria, logo não fazemos juízo de valor se quem nos procura presta ou não presta, se nos atingiu ou não, cumprimos a vontade da Constituição e das leis constitucionais em proteger quem quer que seja, e foi isso que Renan (o velho ou o novo) teve do Poder Judiciário na última sexta (1º/2), isso sem adentrar ao mérito em si da decisão.
E tomara que também não bote a culpa na Justiça de sua derrota, pois, como sempre diz, na realidade, com ou sem manobra, lhe faltou votos, e muitos.
Os magistrados devem sempre estar presentes para fazer valer a lei. E que fique bem claro, a lei, pois preferências pessoais não podem se conjugar com o dever de entregar justiça, em especial num país sedento por ela.
A Justiça, realce-se, deve ser a última voz a ser consultada e a ser ouvida. A ela não compete imiscuir-se nos demais Poderes, se não para fazer prevalecer a lei.
E dela deve partir o mais alto exemplo, a mais lídima figura, para que não pairem dúvidas sobre os motivos do julgamento.
Não há justificativa para que juízes escolham os processos que julgarão, deixando que alguns aguardem anos nos escaninhos das escrivanias esperando a conjunção astronômica conveniente para seu deslinde, enquanto outros são decididos com a celeridade própria do fritar batatas.
O Judiciário não é protagonista da democracia, e sim seu guardião, a presença constante de que os bons atos serão premiados, e os maus, punidos.
Se a Justiça tornar-se cúmplice ou subalterna a qualquer dos Poderes, não será justiça, mas torpe feitor a executar as ordens vis de seus patrões.
O magistrado não se envolve em demandas, ele as resolve, pondo termo com a aplicação da lei. Menos ou mais do que isso será sempre injustiça.
Edu Perez de Oliveira é juiz de Direito do TJ-GO.
José Herval Sampaio Junior é presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Norte (Amarn) e professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern).
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