Sindicalistas do Judiciário e do Ministério Público da União agem como bruxos e tentam fazer ressurgir das cinzas a avaliação interna para progressão funcional, mecanismo antidemocrático incendiado há 30 anos pela ‘Constituição Cidadã’
Reinaldo Lopes Rocha
Analista Judiciário Justiça Federal na Bahia
27/07/2018
Um consultor da área de RH (Recursos Humanos), ao ser contratado por uma organização para elaborar um plano de carreira, cargos e salários, partindo do zero, precisará fazer um levantamento minucioso de todas as atividades ali realizadas, desde as mais simples às mais complexas.
Esse trabalho é extremamente detalhista, mas indispensável. O consultor irá a cada local de trabalho, observará e anotará tudo. Desde a retirada do lixo até as atividades desenvolvidas pela alta direção. Relacionará, inclusive, os aspectos ergométricos relacionados ao desempenho das diversas tarefas.
Após todo esse levantamento, terá, então, um cabedal de informações que possibilitará o início da segunda etapa do seu trabalho. Nessa segunda etapa, o consultor, juntamente com a direção da organização, irá definir o perfil dos cargos a serem criados.
Cargos de nível operacional, nível médio, intermediários com alguma atribuição decisória, e os cargos de assessoramento e direção.
Sem truque de ilusionismo, para cada cargo, haverá a descrição das atribuições e respectivas competências, nível de escolaridade exigível e salário compatível com as atribuições e responsabilidades, tendo como parâmetro o mercado de trabalho.
Definição legal
A atuação de um profissional de RH na iniciativa privada será muito diferenciada da atuação desse mesmo profissional no serviço público.
Respeitados os parâmetros legais, uma empresa privada tem liberdade de criar e extinguir cargos, estabelecer critérios de promoção dentro da carreira, definir salários e construir um plano de cargos e remuneração que possa proporcionar a seus funcionários a possibilidade de chegar ao topo.
No serviço público, não há espaço para mágica: a ação desse profissional será muito mais limitada. Nem ele nem a alta direção do órgão têm liberdade para elaborar um plano de carreira e definir salários. Esse plano tem que ser definido em lei aprovada pelo Legislativo municipal, estadual ou federal, e sancionada pelo respectivo chefe do Poder Executivo em cada esfera.
Exclusão às labaredas
Falando especificamente da carreira dos servidores do Poder Judiciário da União (PJU), havia previsão legal, antes da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto do Servidor – lei 8.112/1990, para progressão na carreira pública. Assim, técnicos passaram, por exemplo, a Oficial de Justiça.
Enfim, um servidor podia ser submetido a uma avaliação interna e ser promovido a outro cargo com escolaridade mais elevada. A Constituição vedou esse atalho. Não é à toa que ela é chamada de ‘Constituição Cidadã’.
Ao fazer isso, pretendeu o constituinte de 1988 privilegiar o cidadão, tornando o seu acesso ao serviço público mais democrático. A possibilidade de transpor a cargos mais elevados por mecanismos internos excluía o cidadão comum do processo.
Atualmente, estamos assistindo, em várias categorias, tentativas camufladas de transformar carreiras de nível médio em nível superior, num passe de mágica, sob o argumento falacioso de que o órgão iria ganhar com isso.
É o caso do Projeto NS (Nível Superior), defendido pela Federação e sindicatos dos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União.
Seus dirigentes querem fazer a magia de transformar a escolaridade dos técnicos de nível médio em nível superior.
Com a varinha do mal, estão querendo fazer ressurgir das cinzas o atalho interno para elevar o nível de escolaridade de quem não se submeteu a concurso público.
Em verdade, querem reeditar a fantasia da Fênix, ave da mitologia grega que, quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas.
Perseguem essa pirotecnia 30 anos depois de os constituintes terem incendiado esse mecanismo antidemocrático para valorizar o voo legítimo dos mais preparados aos cargos de maior complexidade no Estado brasileiro.
Fundamento teórico
Além de ir de encontro ao avanço histórico da ‘Constituição Cidadã’, que procurou proporcionar maior possibilidade de acesso às carreiras do serviço público a todos os cidadãos, essas propostas carecem de fundamento técnico. Há algumas perguntas a serem respondidas.
Focando no caso específico das carreiras dos servidores do PJU, indago: algum levantamento foi realizado no sentido de definir se a grande maioria das atividades aqui realizadas exige formação superior? As carreiras de nível médio deixarão de ser necessárias? Qual a proporção que deve existir entre a quantidade de cargos de nível médio e a de nível superior? Existem muitas outras perguntas de caráter técnico. Impossível relacioná-las todas aqui.
Injustiças no Judiciário
Reconheço que existem distorções e injustiças no nosso meio funcional. Uma das que trouxe maior distinção salarial, a meu ver, foi o fim das incorporações da FC (Função Comissionada) e afins. Dentre os servidores, sejam Técnicos ou Analistas, há os que tiveram oportunidade de incorporar ao salário uma FC ou CJ (Cargo em Comissão, que são de livre indicação, ou seja, o ocupante não precisa ser servidor público). Portanto, ganham mais do que o colega ao lado, desempenhando o mesmo serviço.
Outra grande injustiça: servidores, Técnicos ou Analistas, que têm comprometimento, se empenham, produzem mais etc., obtêm o mesmo resultado remuneratório dos servidores que se contentam em cumprir suas obrigações básicas.
Soluções
Existem Técnicos Judiciários que executam trabalho de Analistas Judiciários e vice-versa? Sim, reconheço que em alguns casos a situação existe. A solução será equiparar as carreiras e salários de nível médio com as de nível superior para todos? Não! Essa solução é inconstitucional, ilegal e do ponto de vista da Gestão de Pessoas, para usar um termo mais atual, péssima para o órgão.
Há outras soluções para os problemas existentes? Sim. É preciso que as instâncias que definem a Gestão de Pessoal do PJU se debrucem sobre os problemas, estudem as soluções e as apresentem. Soluções essas que possam corrigir as distorções. Sem atropelar a lei e os direitos dos Analistas. E sem tentar recompor as cinzas da exclusão.