Para a Anajus, as forças de segurança merecem ser valorizadas e receber a reposição da inflação tanto quanto todas as demais carreiras; estudo cita que defasagem dos servidores do Judiciário soma 11%
O Globo e Anajus Notícias
17/02/2022
Reportagem publicada no Jornal O Globo neste domingo (16/1), mostra que o presidente Jair Bolsonaro desagradou várias categorias do funcionalismo ao sinalizar que pretende usar reserva de quase R$ 2 bilhões no orçamento para reajustar apenas os salários da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário. No entanto, seus integrantes são um dos poucos grupos do setor público que tiveram aumento real na renda nos últimos dez anos.
Para a direção da Anajus (Associação Nacional dos Analistas do Poder Judiciário e do Ministério Público da União), mas tanto quanto merecem ser valorizadas e receber a reposição da inflação as demais carreiras do funcionalismo público federal.
Descontada a inflação do período, tiveram avanço no poder de compra de 7%. Entre 2012 e 2021, só militares e professores conseguiram manter os salários protegidos da inflação, com ganho de 12% em termos reais. No mesmo período, os outros servidores federais viram a sua renda real encolher 5%. No Judiciário, defasagem é de 11%. Quem trabalha no setor privado perdeu 2%.
Já Informações do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam que os servidores federais tiveram 50% de perda salarial e não tiveram reajuste nos últimos cinco anos.
Em resposta a O Globo, a Polícia Federal informou que a notícia não reflete a realidade. “Parece levar em consideração apenas o índice da inflação (IPCA), que alcançou 80,70% no período de dezembro de 2011 a dezembro de 2021 (e mesmo assim os números apontados na reportagem não batem com a realidade), e certamente desconsidera o IGP-M (132,37% no mesmo período), que é a inflação que mede os aluguéis, além dos aumentos sofridos pelos combustíveis e tarifas públicas nesses últimos 10 anos, fatores que geram números de perda real do poder de compra muito superiores ao verificado no índice de inflação oficial. Assim, à toda evidência, não está correto afirmar que os policiais federais tiveram aumento de 7% no poder de compra nos últimos 10 anos”.
Salário inicial de R$ 23 mil
Os cálculos são parte de um levantamento do Centro de Liderança Pública (CLP) feito a pedido do GLOBO. O estudo mostra que, se for adiante com o plano de privilegiar agentes de segurança, que já estão entre os mais bem pagos do setor público, Bolsonaro aumentará a disparidade remuneratória no funcionalismo.
Em consulta informal a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), integrantes do governo ouviram que, provocada por categorias descontentes, a Corte pode obrigar o Executivo a estender o reajuste a todos os servidores em 2022, quando termina o congelamento de dois anos definido no início da pandemia, o que ampliaria muito o impacto fiscal. O recado foi levado a Bolsonaro.
Um delegado da PF hoje tem remuneração inicial de R$ 23,6 mil. Os vencimentos podem chegar a R$ 30,9 mil, de acordo com dados de novembro do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Economia. Para agente ou escrivão da PF, o salário vai de R$ 12,5 mil a R$ 18,6 mil. Policiais rodoviários federais têm salários iniciais de R$ 9,8 mil e podem chegar a R$ 16,5 mil.
Diante da predileção de Bolsonaro pelas carreiras da segurança, categorias como as da Receita Federal e do Banco Central iniciaram mobilização ainda em 2021, com entrega de cargos de chefia. Outras aderiram e organizam protestos para esta semana e cogitam até paralisações.
Para José Henrique Nascimento, gerente de Causas do CLP, a sinalização de reajuste apenas para forças policiais é uma estratégia equivocada do governo.
E não é a primeira vez, ele lembra. Na discussão da reforma administrativa, que empacou no Congresso, versões do texto tentaram restabelecer privilégios da PF.
— Todo profissional público deve ser valorizado, mas esse claro enviesamento na sinalização dos reajustes, para as categorias mais valorizadas, pode aumentar mais as disparidades — diz Nascimento.
Forças Armadas
Sem avançar com a reforma administrativa, o governo Bolsonaro privilegiou as Forças Armadas com uma reestruturação nas carreiras militares durante a reforma da Previdência, em 2019, que resultou em aumento de salários. As mudanças ajudaram a proteger os militares da inflação, mas custarão R$ 217,66 bilhões à União ao longo de 20 anos. Incluem, por exemplo, adicional por curso realizado.
Já os professores de instituições federais tiveram tratamento especial em 2012, no governo de Dilma Rousseff. Houve reajustes e modificações estruturais nas carreiras, como definição de critérios para ingresso e avanço nos níveis de remuneração, que foram alvo de críticas na época.
O economista Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP e responsável pelo levantamento, explica que os cálculos foram feitos a partir de dados trimestrais da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE. Para ele, a defasagem no poder de compra e a insatisfação dos servidores que não estão nas categorias privilegiadas deve aumentar, já que o quadro atual ainda é inflacionário:
— A inflação muito alta só aumenta a pressão por reajuste, causando uma bola de neve para o governo.
As últimas parcelas de aumento salarial para o conjunto de servidores federais foram incorporadas em 2017 e 2019, após negociações feitas no governo de Michel Temer. Por causa das restrições legais, um novo reajuste pode sair só em 2024, após a eleição e a negociação no primeiro ano do novo mandato.
A lei determina que aumentos ao funcionalismo só podem ser dados até abril em anos eleitorais. O recesso do Congresso em janeiro reduz ainda mais o tempo para a discussão de um reajuste linear. E falta dinheiro. Cada ponto percentual de reajuste geral para servidores pode significar gastos entre R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões, segundo estimativas de técnicos do governo.
O presidente já ameaçou recuar e dizer que pode não dar reajuste a nenhuma categoria, o que foi interpretado como uma traição entre policiais, parte de sua base política, mas pode ser uma forma de acalmar categorias descontentes.
Em nota, a Polícia Federal contesta os dados apresentados. Afirma que a corporação obteve dois reajustes salariais, em 2012 e 2016, que apenas recompuseram as perdas referentes a esses períodos. O órgão argumenta ainda que não foram considerados avanços de preços como aluguel, combustíveis e tarifas, “fatores que geram números de perda real do poder de compra muito superiores ao verificado no índice de inflação oficial”.
Quadro estadual similar
O estudo do CLP também considerou servidores estaduais e municipais, observando desigualdade semelhante. Apenas agentes militares de segurança (policiais militares e bombeiros) e professores tiveram aumento real nos últimos dez anos. Para os profissionais militares, o avanço foi de 20% entre 2012 e 2021. Para os da educação, 6% acima da inflação. No entanto, diferentemente dos policiais e professores federais, são categorias com salários baixos.
No mesmo período, os demais funcionários públicos estaduais e municipais acumulam perda de 3,6% no poder de compra. Fabrício Marques Santos, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estados da Administração (Consad), observa que, nos últimos dois anos, os estados tiveram aumento de arrecadação, mas estavam impedidos de reajustar salários.
Agora, segundo levantamento do conselho, ao menos 16 estados estão reestruturando carreiras do magistério. Outros quatro estudam. Em alguns casos, a mudança foi iniciada em 2021 para seguir novas regras do Fundeb.
No Rio, o governador Cláudio Castro (PL), correligionário de Bolsonaro, aumentou gratificações de bombeiros e policiais militares da ativa. Reportagem está disponível neste link.
Fonte: Jornal O Globo