A assistente social Tarciane Ramos, do TJDFT, defende valorização da categoria para a ampliação do olhar do Judiciário sobre os problemas sociais
Anajus Notícias
24/10/2019
Entre os cerca de 40 mil analistas do Poder Judiciário da União, há profissionais que lidam diretamente com as manifestações da questão social que chegam à Justiça. Dentre eles estão os homens e mulheres que atuam como assistentes sociais. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), tais profissionais de Serviço Social são responsáveis por planejar, executar e avaliar ações psicossociais judiciárias no DF demandadas por juizados especiais criminais, juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, varas criminais, tribunais do júri, varas de família, cíveis, de precatórias e de fazenda pública.
Mas o cotidiano profissional vai muito além dessa breve descrição. Dentre as diversas atividades desenvolvidas, estão atendimentos individuais, familiares e em grupos; visitas domiciliares e institucionais; estudos sociais; pareceres e relatórios técnicos; palestras e participação em diversos eventos profissionais; articulações junto às redes locais.
Esse panorama de atividades do cargo foi relatado à coluna “Perfil do Analista”, do site da Anajus, pela assistente social Tarciane Sousa Ramos, lotada no Núcleo de Assessoramento sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (NERAV), do TJDFT. “Há uma discussão atual nas ciências sociais sobre a crise do Judiciário, segundo a qual é preciso reconhecer que a área de conhecimento do Direito, por si só, não dá conta de responder às demandas sociais que hoje se colocam à Justiça. É preciso que outros olhares contribuam para a compreensão desses fenômenos, sob pena de não se alcançar o objetivo de promover a justiça social”, explica. “Nesse sentido, é preciso que as instituições judiciárias reconheçam a necessidade e a importância do trabalho de assistentes sociais.”
Na avaliação dela, a falta de reconhecimento da importância do trabalho de assistentes sociais no âmbito do Judiciário acarreta diversos efeitos negativos para as pessoas atendidas, que muitas vezes não sentem que suas demandas e necessidades são realmente compreendidas e atendidas, diminuindo os índices de credibilidade na instituição. E há também consequências prejudiciais para os/as profissionais da área, complementa.
Justiça e violência doméstica e familiar contra a mulher
O problema da violência cometida contra as mulheres assola há milênios a maior parte das nações humanas. E as estatísticas brasileiras mostram que, nos últimos anos, os números só aumentam, aponta Tarciane Ramos.
Em compensação, tem avançado a promulgação de legislações de proteção às mulheres, incluindo a Lei Maria da Penha, como resultado da luta de diversos movimentos de mulheres no Brasil e ao redor do mundo. Entretanto, apesar desta luta e de tais leis, a violência doméstica e familiar contra as mulheres segue ainda naturalizada em nossa cultura. Este panorama traz diversos desafios à efetivação da Lei Maria da Penha e, por conseguinte, aos profissionais que atuam em sua defesa.
Formada em Serviço Social pela Universidade de Brasília em 2004, Tarciane atua há cerca de dez anos na área de violência contra mulheres. Atualmente faz parte da equipe multidisciplinar do NERAV, formada por assistentes sociais e psicólogos/as. Essa equipe trabalha no assessoramento de magistrados e magistradas que atuam nos 19 Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Distrito Federal, realizando estudos psicossociais, atendimentos (individuais, familiares e em grupos), pareceres técnicos, audiências multidisciplinares, palestras, encaminhamentos e articulações com as redes locais, dentre outras atividades.
Atendimento multidisciplinar
O trabalho do NERAV é previsto pela Lei Maria da Penha, que garante atendimento multidisciplinar às mulheres e homens de processos judiciais de violência doméstica e familiar contra a mulher. Ao longo do ano 2018, o NERAV atendeu 2.526 pessoas, encaminhadas por diversos Juizados de Violência Doméstica e Familiar do TJDFT.
“Considero o nosso trabalho muito importante. Sem ele, seria quase impossível aos magistrados compreender de maneira mais aprofundada as questões de gênero e do patriarcado presentes nos casos que chegam à Justiça. E, nesses casos, essa compreensão é fundamental, tendo em vista que a violência contra a mulher é um fenômeno complexo e multifacetado”, complementa.
Valorização profissional
Tarciane conta que a atividade de assistentes sociais no Judiciário envolve alto grau de estresse e sofrimento no trabalho. “Diversos estudos científicos comprovam que pessoas que estão em frentes de trabalho como essas apresentam uma série de consequências nefastas na própria saúde física e mental”, comenta. Dentre os principais fatores que contribuem para o sofrimento no trabalho de assistentes sociais que atuam no Judiciário, ela destaca o reduzido número de profissionais; a desvalorização profissional e salarial; a falta de autonomia dos/as profissionais frente às relações de poder institucionais; e a sobrecarga de trabalho frente a exigências institucionais de cunho meramente quantitativo (que desconsideram o caráter essencialmente qualitativo da intervenção profissional), além do próprio contato direto e constante com situações de violência, miséria e injustiça social.
Diante de tais dificuldades, a assistente social aponta como solução uma maior valorização dessa categoria. “Melhores salários, contratação de mais profissionais e mecanismos de controle e de denúncia mais efetivos sobre situações de abuso de poder e de assédio no trabalho, são exemplos de ações necessárias. Além disso, reivindicamos a implementação da Lei 12.317/2017, que garante a assistentes sociais a carga de trabalho de 30 horas semanais, o que já acontece com outros segmentos dos analistas, a exemplo dos médicos”.
Avalia que existe atualmente um contexto de crítica social e de questionamento acerca das funções constitucionalmente preconizadas do Poder Judiciário. “Mais do que nunca, é necessário mostrar à sociedade a importância do papel da Justiça para a sociedade – o que necessariamente passa por ações institucionais efetivas no sentido de valorizar os servidores, essenciais para a qualidade na prestação de serviços à população brasileira”, recomenda. “Como mostrar à população o valor do nosso trabalho, se a instituição não valorizar de fato seus servidores? Os profissionais de Serviço Social estão entre os menos valorizados no Judiciário. Isso precisa mudar urgentemente.”, conclui Tarciane.