A reforma administrativa está longe de reduzir custos.
Conjur
15/09/2020
Pelo impacto de larga escala que promove, a reforma administrativa apresentada pelo presidente da República à Câmara dos Deputados exige da comunidade jurídica seriedade analítica. Representantes do governo declaram que a proposta se concentra em efetivar três grandes valores: redução de custos, eficiência e modernização. O intuito seria garantir uma administração pública que fizesse mais por menos. No presente artigo, porém, sustentamos que o texto da PEC 32/2020 não condiz com o discurso oficial.
A reforma administrativa está longe de reduzir custos. Em primeiro lugar, a proposta prevê a criação de cinco regimes jurídicos para os servidores. Dentre os regimes, só um — carreiras típicas de Estado — terá estabilidade. O restante permanecerá no emprego em condições incertas. Essa luta pela sobrevivência restringe as chances de posturas cooperativas. Em cenários tão assimétricos, a própria linguagem não é a mesma. A tendência é a máquina pública virar uma Babel. Nas administrações em que há terceirizados, excesso de comissionados e servidores efetivos subaproveitados, o desentendimento é o padrão. E um escândalo a qualquer momento espreita os corredores.
Além disso, o incremento do poder unilateral do Estado só aumenta o risco de assédio no ambiente de trabalho. Quanto mais assédio, mais conflito. Também aumentam os riscos de captura da máquina para formação de currais eleitorais. O emprego público passará a ter preço não só político, mas também econômico. Aquele que contribuir com parte de seu salário para o caixa da autoridade nomeante ou de seu partido terá vantagens comparativas em relação ao servidor que se preocupa em cumprir a lei. A PEC 32/2020 expande os incentivos em favor do mau gestor na ilusão de que flexibilidade traz ganhos. Ledo engano.
A proposta tampouco é eficiente. Seu marco regulatório depende de três etapas legislativas. A primeira etapa consiste na própria aprovação da PEC 32/2020. A segunda etapa cuida da aprovação de outros seis projetos de lei[1] ainda não apresentados. Já a terceira fase prevê a aprovação de uma lei complementar sobre o novo serviço público. Posteriormente, atos do chefe de cada Poder dos três níveis de governo serão responsáveis por criar os critérios mínimos de acesso aos cargos de liderança e assessoramento, os atuais cargos comissionados. Tamanho volume legislativo dificulta a gestão em vez de simplificar.
A contradição da PEC 32/2020 com a ideia de modernização do setor público é igualmente gritante. À míngua de um consenso sobre o significado da palavra, entendemos modernização como sendo uma ideia voltada à superação de experiências passadas por práticas mais apropriadas às exigências do tempo presente. Nesse sentido, a proposta de reforma administrativa não entrega avanços. Ao contrário, o projeto do governo federal pauta retrocessos democráticos e técnicos que não dialogam com noções modernizantes.
Exemplo de retrocesso democrático é a programação orçamentária única, sem classificação de despesa, prevista para os casos em que houver a celebração de contrato de desempenho, na forma do §8°, do artigo 37, da CRFB. De acordo com a proposta de nova redação do artigo 165, §16, da Constituição Federal, poderão o presidente da República, os governadores dos estados e os prefeitos, mediante acordos com seus ministérios e secretarias, gerir recursos do orçamento sem que as casas legislativas tenham como controlar o emprego do dinheiro. Trata-se de um grave recuo em transparência orçamentária.
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