Artigo de opinião: O silêncio que adoece: quando servidores votam contra os próprios direitos

Por: MELO, Willian Pinto, analista judiciário.*

No coração do Poder Judiciário brasileiro, onde se espera encontrar a razão, o equilíbrio e a firmeza da ética pública, um fato recente rompeu a normalidade e expôs, com brutalidade, uma ferida institucional: dois servidores sindicais votaram abertamente contra os interesses da própria categoria, em clara defesa dos gestores — justamente os que concentram poder sobre suas funções.

Esse episódio é revelador de uma estrutura que, mais do que concentrar autoridade, parece ter aprendido a cultivar a submissão como método e a manipulação simbólica como instrumento de controle. Não se trata de mera escolha pessoal: é o reflexo de um ambiente institucional em que a autonomia do servidor é corroída por pressões sutis, por medo velado, por dependência construída.

Votar contra os próprios colegas, contra a base que se representa, é um gesto que deveria escandalizar. Mas quando esse gesto não choca, é porque a normalização da injustiça já venceu em alguma medida.

O que se denuncia aqui não é apenas a traição de um mandato. É a evidência de um sistema que desloca, silencia e adoece. Um Judiciário que, paradoxalmente, deixa de proteger os seus servidores para sustentar um modelo de privilégios anacrônicos, mantido sob o verniz de eficiência, mas alimentado por desigualdades profundas.

Enquanto os magistrados são protegidos por uma série de garantias — muitas delas legítimas — os servidores concursados, que sustentam o funcionamento cotidiano da Justiça, acumulam metas inalcançáveis, tecnologias pagas do próprio bolso, invisibilidade estrutural e assédio mascarado de gestão por desempenho.

Há, sim, uma elite funcional blindada. Há, sim, uma classe invisível submetida. E há, acima de tudo, um discurso que finge normalidade onde já existe esgotamento.

Tecnologia não substitui dignidade. Produtividade não apaga sofrimento. Nem toda obediência é virtude.

É hora de romper esse ciclo. O Judiciário não pode tolerar uma lógica de castas. Não pode reproduzir dentro de si aquilo que condena nas ações que julga. Não pode permitir que o direito à crítica e à reivindicação seja transformado em insubordinação punível.

Uma instituição que não respeita seus próprios integrantes perde coesão, perde legitimidade e perde autoridade moral.

O Estado de Direito — o verdadeiro, e não o de fachada — não aceita que seus servidores sejam manipulados, enganados ou levados à renúncia dos próprios direitos em nome de promessas silenciosas de proteção.

Se não houver reação, estaremos normalizando um Judiciário onde a justiça é aplicada para fora, mas negada por dentro.

E isso, convenhamos, seria o mais imperdoável dos desacatos à Constituição.

*A opinião do autor não, necessariamente, reflete a opinião oficial da ANAJUS.