Especialistas apontam que proposta é inconstitucional, pois engessa o Judiciário. Também é inócua, pois não é possível controlar as decisões dos magistrados.

CONJUR
SÉRGIO RODAS
08/11/2019

O ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou nesta quarta-feira (6/11) três propostas de emenda à Constituição para reformar o Estado brasileiro. Uma das PECs restringe decisões judiciais sobre pagamentos a servidores e estabelece que ordens gerem despesas só serão cumpridas quando houver previsão orçamentária.

Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que a proposta é inconstitucional, pois engessa o Judiciário, violando o princípio da separação dos Poderes. Além disso, a medida é inócua, pois não é possível controlar como magistrados vão proferir suas decisões.

PEC 188/2019 altera o artigo 37, XXIII, da Constituição, para proibir o pagamento retroativo de despesas com servidores; de gastos de pessoal com base em decisão judicial não transitada em julgado; e de benefícios de natureza indenizatória sem lei específica que autorize a concessão e estabeleça o valor ou critério de cálculo.

Além disso, inclui dois parágrafos no artigo 166 da Constituição. O parágrafo 8° determina que “lei ou ato que implique despesa somente produzirá efeitos enquanto houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária, não gerando obrigação de pagamento futuro por parte do erário”.

Já o parágrafo 9º estabelece que “decisões judiciais que impliquem despesa em decorrência de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa somente serão cumpridas quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária”.

As medidas sugeridas pela PEC 188/2019 enfraquecem o Judiciário e fortalecem exageradamente o Executivo, afirma o jurista Lenio Streck. “Esse tipo de PEC torna o Executivo superpoderoso. Interfere em outros poderes. O próprio parlamento, ao aprovar, estará interferindo no próximo parlamento. O Judiciário ficará engessado, sim. O governo parece que deu um passo perigoso, e talvez seja maior do que suas pernas alcancem. Decidiu atacar a Constituição.”

Ao limitar o alcance e eficácia de decisões judiciais, o Executivo e o Legislativo violam os princípios da separação dos Poderes e da universalidade da jurisdição, que atribui ao Judiciário o papel de guardião da Constituição, avalia Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP.

“Se o Judiciário determina que se deve pagar, é porque o Direito determina o pagamento. Assim, não cabe ao legislador ordinário, que estabelece a lei orçamentária, e ao Executivo, que a executa por atividade administrativa, estabelecer limites ao cumprimento ou não de ordem judicial. A PEC é inconstitucional, pois ataca cláusulas pétreas da Constituição Federal.

Sem lógica
Praticamente todas as decisões judiciais têm impacto financeiro quando envolvem o poder público, ressalta Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro da USP. No limite, aponta, essas restrições podem atingir questões tributárias.

“Por exemplo, uma decisão em matéria tributária que mantenha como válida uma renúncia fiscal. Isso impacta aquilo que se chama como gasto tributário. Será que a pretensão da PEC é alcançar também esse tipo de situação? Acho que não logrará êxito”, analisa o professor.

E essa limitação ao alcance e eficácia de decisões judiciais é inócua. Afinal, se um juiz ordenar um pagamento retroativo de despesas com servidores e a sentença for mantida pelas instâncias superiores, ela terá que ser cumprida pelo Executivo ou Legislativo, diz Scaff.

O também professor de Direito Financeiro da USP José Mauricio Conti tem visão semelhante. Como o Judiciário é o intérprete da legislação, sustenta, é muito difícil fixar limites às suas decisões. Isso só funciona se o Supremo Tribunal Federal reconhecer as restrições determinadas pela norma.

Na verdade, diversas dessas limitações financeiras da PEC 188/2019 já existem em outras leis, destaca Conti. No entanto, o Judiciário continua proferindo decisões que as desrespeitam. Até porque, ao determinar algo, o juiz não sabe o impacto financeiro que aquilo pode ter. Mas esse deveria ser um ponto prioritário, pois o Estado não tem condições de dar eficácia a todas as ordens judiciais, afirma.

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