Emenda do Teto dos Gastos congela recursos pelos próximos 20 anos, reclama o presidente do do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), desembargador José da Fonseca Martins

CONJUR
24/03/2019

O teto dos gastos públicos foi aprovado depois de uma grande campanha de marketing do governo Michel Temer (MDB-SP). A promessa era que estabelecer um máximo para os gastos públicos faria o país voltar a crescer e ficar em dia com suas contas. Na prática, a emenda constitucional congelou os gastos públicos nos níveis de 2016 e só autorizou que eles fossem corrigidos pela inflação. Sem crescimento real, portanto, pelos próximos 20 anos.

A Justiça do Trabalho sofre especialmente com isso, afirma o desembargador José da Fonseca Martins, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ). “Falta dinheiro para fazer frente a qualquer coisa”, diz, em entrevista à ConJur.

“Do nosso orçamento, cerca de 87% está comprometido com a folha de pagamento e com os benefícios sociais. Não sobra praticamente nada para fazer a administração diária da máquina.”

Martins foi eleito presidente do TRT da 1ª Região em novembro de 2018 e fica no cargo até dezembro de 2020.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são seus objetivos na presidência do TRT-1?
José da Fonseca Martins —
 Primeiro, fazer uma administração colegiada. Ouvir todos, na medida do possível. O objetivo é, ao final dos dois anos, termos um tribunal unido em cima de determinados princípios — que nada mais são que aqueles princípios focados no bem do jurisdicionados, dos consumidores do Judiciário.

A segunda questão é implementar soluções alternativas de resolução de conflitos, como conciliação, mediação e arbitragem. Temos aqui a Cejus, uma unidade focada na área de conciliação. Hoje a Cejus tem uma atuação restrita a um número determinado de varas e fica fora do tribunal. Pretendemos transferi-la para a sede do tribunal para que possamos atender às demandas de todas as varas. A nossa escola judicial vai implementar um curso de especialização na área de mediação. E vamos convidar mais juízes aposentados para atuar como conciliadores e mediadores. E isso a custo zero para o tribunal. É uma forma de eles contribuírem com a experiência que acumularam como magistrados.

ConJur — Como está o orçamento do tribunal?
José da Fonseca Martins —
 Falta dinheiro para fazer frente a qualquer coisa. Estivemos recentemente no Tribunal Superior do Trabalho, e isso não é um problema só do TRT-1, mas de todo o Judiciário. A PEC do Teto de Gastos congelou os orçamentos por 20 anos. A partir de 2019, o orçamento passa a ser o que era em 2016 corrigido pelo IPCA. Isso torna absolutamente inviável o funcionamento da máquina. Do nosso orçamento, cerca de 87% está comprometido com a folha de pagamento e com os benefícios sociais. Não sobra praticamente nada para fazer a administração diária da máquina. A situação está muito complicada. Estamos com um número excessivo de funcionários que se aposentaram ou que estão à beira da aposentadoria. Cada vez que se fala em reforma da Previdência é uma enxurrada de funcionários que se aposentam. E estamos impedidos de fazer concursos públicos para reposição deles. Estamos em um processo crescente de perda de mão de obra.

ConJur — Como a reforma trabalhista impactou o TRT-1?
José da Fonseca Martins —
 Existem dois pontos nisso que a gente chama de reforma trabalhista: a reforma de direito material e a processual. O que impactou a Justiça do Trabalho como um todo foi a reforma processual, porque foi criada uma série de requisitos para o ajuizamento de reclamações trabalhistas, tem uma série de ônus que não existiam antes. Isso gerou segurança. Em 2017, nós tivemos 276 mil reclamações; em 2018, 178 mil. Redução de 35,33%. Em compensação, houve aumento de 4,92% nos recursos no segundo grau.

ConJur — Por que esse crescimento no segundo grau?
José da Fonseca Martins —
 Porque o primeiro grau começou a julgar mais e a remeter os processos para o segundo grau. Não que eles não julgassem. É que, à medida que há uma redução de demandas, o primeiro grau passa a ter mais agilidade. Em 2018, nós recebemos 178 mil novas ações e solucionamos 254 mil. Foram R$ 2,6 bilhões revertidos aos trabalhadores.

ConJur — A imposição de honorários de sucumbência limita o direito de petição dos trabalhadores?
José da Fonseca Martins —
 Não, porque há um número muito grande de pedidos de gratuidade de justiça deferidos. Se há gratuidade de Justiça, não tem como executar o sucumbente, sendo ele trabalhador, em eventuais ônus decorrentes da perda do processo. E é um risco como sempre existiu na Justiça estadual, na Justiça Federal. E é preciso ter isso.

ConJur — Essa regra mudou alguma coisa?
José da Fonseca Martins — O tipo de reclamação proposta antes da reforma era completamente diferente. Os advogados passaram a ter uma série de cautelas no ajuizamento da reclamação. Parece que eles perguntam aos clientes se elas têm como comprovar o direito que alegam ter. Se não tiverem, eles sugerem não entrar com a ação, porque correm o risco de perder. Agora, isso não impede o acesso à Justiça. Se o direito for bom, se ele tiver como provar o que alega, o risco de perder é muito baixo.

ConJur — A reforma trabalhista foi positiva?
José da Fonseca Martins —
 Em tudo há coisas boas e ruins. No campo material, a reforma trabalhista tem coisas muito boas. Por exemplo, o fim do imposto sindical. Havia uma estrutura sindical que vivia com a contribuição sindical. E aquilo se elasteceu de tal forma que até as centrais sindicais passaram a se beneficiar dessa receita. Até os próprios sindicatos, aqueles sindicatos mais combativos, de esquerda, que sempre brigaram pelo fim da contribuição sindical, com o fim dela, passaram por sérias dificuldades, porque também dependiam dela.

Mas há pontos negativos. Por exemplo, o fim das homologações das rescisões contratuais. Antigamente, a partir do primeiro ano, era preciso fazer homologações perante a Delegacia Regional do Trabalho. Isso podia ser feito nos sindicatos, o que gerava certa segurança jurídica no ato de homologar. Hoje, não tendo mais essa obrigatoriedade, a possibilidade de fraude em uma rescisão é muito maior. O empresário demite um empregado, o empregado depende daquilo que vai receber na rescisão, e às vezes ele negocia coisas que não poderia negociar.

ConJur — O fim súbito da contribuição sindical não pode asfixiar os sindicatos e enfraquecer a representação dos trabalhadores?
José da Fonseca Martins —
 A reforma trabalhista pecou em uma omissão: deixar de alterar o sistema da unicidade sindical. Sempre se defendeu o pluralismo sindical. E, estranhamente, esse discurso foi desaparecendo. Perdemos uma excelente oportunidade de implantar o sistema de pluralismo sindical, onde apenas aqueles sindicatos efetivamente combativos angariariam associados. O imposto sindical acabou atingindo os sindicatos de forma geral porque eles só dependiam disso. A grande maioria dos sindicatos vivia da contribuição sindical. Havia até um processo de desestímulo à associação, na medida em que, abrindo o leque de afiliados, poderia potencialmente gerar grupos contrários à administração atual. Então não interessava ter muitos afiliados, eles viviam basicamente da contribuição sindical e acabaram se acostumando com isso. Quando acabou a contribuição, deu no que deu.

ConJur — Alguns tribunais têm acolhido o argumento de que a contribuição sindical é um tributo e, por isso, só poderia ser alterada por lei complementar. Concorda?
José da Fonseca Martins —
 A contribuição sindical foi criada pela CLT, que não é nem nunca foi lei complementar [é um decreto-lei]. Se ela não foi criada por uma lei complementar, não teria o menor sentido ela só poder ser alterada por lei complementar.

ConJur — O Supremo já liberou a terceirização em recurso com repercussão geral, mas os ministros do TST continuam decidindo de acordo com o próprio entendimento. Isso não pode acontecer com a reforma trabalhista?
José da Fonseca Martins — Quando tomei posse no tribunal, jurei respeitar as leis e a Constituição. E todos os magistrados devem fazer isso. Se há uma lei que disciplina uma matéria de determinada forma, ainda que aquilo venha a contrariar meus princípios, eu tenho que cumprir o que está na norma. Essas decisões alternativas não fazem bem para a sociedade. O jurisdicionado está mais interessado na previsibilidade da Justiça do que em qualquer outra coisa. Não adianta escrever um voto de 30 páginas e o advogado achar o voto excelente, mas o cliente não entender se ganhou ou perdeu. É isso que interessa a ele. Então não adianta ter julgamentos alternativos, tentando reinterpretar a reforma trabalhista se a gente sabe que aquilo vai ser uma coisa que não vai vingar.

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