Eleito em abril, ele vai comandar a Ajufe até 2020
Conjur
25/06/2018
Quando ingressou na magistratura, há quase 16 anos, o juiz federal Fernando Mendes enxergava inúmeros benefícios em atuar na carreira, como a aposentadoria integral, um salário adequado com a função, férias de 60 dias e independência para trabalhar. Atualmente, o recém-empossado presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) demonstra preocupação com o futuro da magistratura, que corre o risco de perder seus “atrativos”.
“Deve haver valorização da magistratura, que passa por um período de grande discussão do ponto de vista regulatório e de regime previdenciário. Isso gera uma discussão que incomoda os juízes porque eles sentem insegurança jurídica para exercer uma função”, contou a ConJur.
Mendes é juiz federal desde 2002. Antes de ingressar na magistratura, trabalhou na Procuradoria do Estado de São Paulo. Atua há cerca de 12 anos na atividade associativa, tendo presidido a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp) no período de 2015 a 2017.
Eleito em abril, ele vai comandar a Ajufe até 2020. Em sua gestão, quer priorizar a valorização e independência da Justiça Federal. Além disso, retomará a atuação institucional da Ajufe com pautas que são do interesse público, não restringindo a bandeiras corporativas.
Segundo ele, o juiz tem a responsabilidade de atuar para fortalecer a ideia da instituição e o papel da magistratura na formação do Estado Democrático de Direito.
Quanto a revisão da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), Mendes diz que há necessidade de regulamentação, mas que deve ter paridade entre magistratura e Ministério Público. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal tem evitado mandar para o Congresso o estatuto da Loman devido ao cenário político. A expectativa é que a discussão seja encaminhada na presidência do ministro Dias Toffoli, próximo a assumir a Corte, em setembro.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual é a principal bandeira do seu mandato?
Fernando Mendes — Valorização e independência da magistratura. A Ajufe tem obviamente uma pauta corporativa, mas não será limitada a isso. Minha proposta é que o Poder Judiciário federal possa trabalhar usando a inteligência artificial, por exemplo. Essa será também uma das preocupações, pois nós temos que conseguir dentro da nova realidade orçamentária prestar um serviço público de eficiência, às vezes, reinventando a forma de trabalho. Nós precisamos de instrumentos que racionalizam a atuação dos juízes.
ConJur — Por um período a Ajufe revelou bandeiras corporativas para fazer campanhas institucionais e políticas, como foi a Lei da Ficha Limpa. Com isso, o Congresso se fechou para projeto de interesse da magistratura. Isso foi uma boa opção?
Fernando Mendes — Embora sejam pautas que possam desagradar por tratar da classe política, nós as vemos como necessárias. É fundamental que a entidade atue em pautas institucionais que vão além da pauta corporativa. É isso que nos legitima como interlocutores ou agentes importantes na formação da opinião pública. Se a Ajufe se recusar a discutir qualquer tema que não seja corporativo, acabará fechada e será vista como um grupo que só quer discutir vantagens e prerrogativas da magistratura.
ConJur — O Supremo Tribunal Federal tem evitado mandar para o Congresso o estatuto da Loman. Qual seria o motivo?
Fernando Mendes — Eu acompanhei de perto a gestão do ministro Ricardo Lewandowski, quando foi discutido um anteprojeto do estatuto da magistratura. Ele colheu opiniões, inclusive das associações, para fazer uma atualização e isso foi aprovado no Plenário. Só que ainda no final da gestão dele o Brasil passou por uma crise institucional e política com o afastamento da presidente Dilma Rousseff, pelo impeachment.
Com o cenário político conturbado, não havia espaço adequado para o debate. Agora esse anteprojeto está em fase final de redação, com o ministro Fux, que deve colher todas as emendas e divulgar o texto definitivo para que o presidente do Supremo encaminhe a discussão ao Congresso. A Ajufe entende que isso é importante, mas criou um descompasso com o Ministério Público, em relação ao tratamento em regime jurídico.
ConJur — Por quê?
Fernando Mendes — A regulamentação da Loman é de 1979, anterior à Constituição Federal de 1988. Já a Lei Orgânica do Ministério Público é posterior, de 1993. Com isso o MP obteve um regime jurídico diferenciado, que o coloca em situações vantajosas, não só em questão regulatória como de direitos de prerrogativas. Embora do ponto de vista constitucional as carreiras tenham que ter o mesmo tipo de prerrogativas, de direitos, e exerçam funções que compõem o sistema de Justiça, nós temos tratamentos assimétricos. O que significa que algumas coisas que estão previstas na lei orgânica do MP não estão previstas no estatuto da magistratura.
ConJur — Pode dar um exemplo?
Fernando Mendes — Uma das pautas da Ajufe é que haja o reconhecimento de que a Constituição de 88 dá para a magistratura e ao Ministério Público o tratamento constitucional simétrico. Então, sem entrar na questão corporativa, a lei orgânica do MP prevê que além do presidente da entidade, dois outros membros podem se licenciar da atividade típica para fazer representação de classe. A Loman só fala de uma pessoa. Isso foi levado ao CNJ, que reconheceu a existência da simetria entre as carreiras.
Um tema que hoje gera muita discussão é sobre a proibição de juízes se manifestarem sobre casos que estão julgando ou tecer comentários em relação a processos que estão em andamento. Isso é uma restrição da lei orgânica, salvo para atividade acadêmica. Tenho muitos colegas que questionam se essa restrição é compatível com o princípio constitucional de liberdade de expressão. Esse é um tema que está em aberto e o estatuto poderia regulamentar de forma mais adequada.
ConJur — Qual é a preocupação nesse debate?
Fernando Mendes — Ou essa proibição deve ser aplicada a todos, assim quem for magistrado não pode exercer esse juízo de valor, ou de fato a liberdade de expressão é ampla. Por exemplo, hoje se eu fizer comentários sobre decisões de colegas, corro risco efetivo de sofrer alguma sanção disciplinar. No entanto, estou vinculado ao mesmo estatuto da magistratura que está o ministro do Supremo Tribunal Federal. Então esse é um tema que vai ter que ser adequadamente enfrentado.
ConJur— Com a revisão do estatuto da magistratura quais seriam as consequências, além dessa paridade de direitos e obrigações?
Fernando Mendes — O principal fator é a segurança jurídica. Quem entra na magistratura para ficar mais de 30 anos precisa saber a que regras está submetido. Quanto que eu vou ganhar? Quais são os meus direitos e obrigações? Do ponto de vista do regime previdenciário, por exemplo, eu tenho direito a aposentadoria integral?
ConJur — A aposentadoria integral deixou de valer em 2003. Como isso é recebido ainda hoje?
Fernando Mendes — A reforma da previdência foi discutida de maneira muito ampla. A Ajufe defende que o regime previdenciário da magistratura deveria ser único, diferente do que acontece hoje já que existem pelo menos três regimes. Quem entra agora tem outro tratamento jurídico. Essa reforma atinge juízes que estão na carreira há 15, 20, 25 anos? Eles podem ser submetidos a uma nova regra de previdência praticamente nas vésperas da aposentadoria? Tudo isso gera insegurança para o juiz.
ConJur — Há várias restrições quanto às atividades que magistrados podem exercer. O senhor acredita que a questão da aposentadoria pode tornar a carreira menos atrativa?
Fernando Mendes — Ao ingressar na magistratura é sabido das delimitações, e o regime previdenciário é um dos problemas mais sensíveis. Hoje eu sou magistrado e um dos grandes atrativos da carreira era ter a integralidade na aposentadoria. Se isso acaba, e depois de alguns anos eu fico cansado de ser magistrado, é só fazer outro concurso.
Pessoas que poderiam ficar mais tempo na magistratura estão saindo para voltar advogar. Isso é ruim, já que às vezes o profissional está no auge da carreira e da capacidade intelectual de experiência, e opta por antecipar a aposentadoria porque deixou de ter um estímulo profissional naquela atuação. Outro exemplo, se a carreira está pagando pouco, o magistrado vai querer ter outro cargo para complementar a renda. A preocupação é exatamente essa, que essas coisas tornem ao longo do tempo a magistratura uma carreira não atrativa.
ConJur — A magistratura ganha ou perde com a manutenção do auxílio-moradia? Ele é necessário?
Fernando Mendes — Acho que é bom deixar claro que ajuda de custo para moradia é prevista na Loman desde 1979. Se ela vai ser paga, tem que ser de maneira uniforme, desde o ministro do Supremo até o juiz de primeiro grau. Na prática, tribunais superiores tinham imóveis funcionais à disposição e os juízes de primeiro e segundo grau não. Ou seja, tinha um tratamento desigual dentro da própria magistratura.
ConJur — E quanto aos auxílios pagos a magistrados que moram na comarca ou que são casados com outro magistrado?
Fernando Mendes — Para nós a discussão de ter ou não imóvel próprio não é cabível dentro do sistema legal. Se chegar a conclusão de que o juiz não tem que ter direito a auxílio-moradia porque não é adequado com a realidade atual, tudo bem. Quer rediscutir o modelo daqui para frente? Quer acabar com o auxílio e mudar a forma de pagamento? Vamos debater isso, mas de maneira ampla e abrangente. Então, se não puder ter auxílio-moradia no Poder Judiciário, também não pode no parlamento e executivo.
ConJur — Recentemente, o ministro Gilmar Mendes criticou as férias de 60 dias aos magistrados. Qual sua opinião?
Fernando Mendes — Essa é uma pauta que é antiga na magistratura também. Com a devida vênia ao ministro, acredito que fazer o discurso de que os 60 dias de férias são um grande problema está errado. Quer dizer, parlamentares também têm o recesso parlamentar, professores também têm recesso nas férias escolares. Na prática, o juiz acaba trabalhando em períodos de férias, mas não é essa questão. Essa discussão, se for feita, tem que acontecer no âmbito do Estatuto da Magistratura. Quando o STF encaminhar o projeto do estatuto, se o parlamento entender que tem que mudar, faremos a discussão de maneira republicana.
ConJur — Como que o senhor vê a ascendência do Ministério Público com a turbinada da operação “lava jato”?
Fernando Mendes — Ainda que seja muito criticada, a “lava jato” expôs um Estado que era patrimonialista e confundia, de maneira absolutamente inaceitável, interesses patrimoniais. A operação rompeu o modelo de associação entre o empresariado e setores do governo que se retroalimentam.
Já quanto ao MP, com a Constituição, passou a ter mais autonomia e exercer papel importante dentro da formação do sistema de Justiça. Ele passou a ser quase o “quarto poder da República”, já que tem independência funcional e legitimação para casos de maior relevância dentro do interesse público.
ConJur — Sergio Moro é o único juiz do Brasil a cuidar de apenas um caso. Como os outros juízes veem isso?
Fernando Mendes — A “lava jato”, pela complexidade, pelo número de fatos que revelaram, gerou centenas de processos e milhares de incidentes processuais. A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região de restringir a distribuição de processos da 13° Vara privilegiando ali os processos da afetos à operação está dentro dessa lógica que nós defendemos, que é racionalizar a prestação do serviço público.
ConJur — Juízes, desembargadores e ministros devem responder por ações judiciais na primeira instância?
Fernando Mendes — A posição histórica da Ajufe é pelo fim da prerrogativa de foro de maneira ampla. Nossa base é que não há, na ideia de República, justificativa para que eu, por ser juiz, tenha que ser julgado por um órgão diferente do que o outro cidadão.
Internamente, alguns juízes são favoráveis e acham que tem que ser restrito. Eu não vejo nenhum problema que juízes sejam julgados em um fato por outro colega. Isso é uma matéria que vai ser tranquila e que todos pensam da mesma maneira? Não. Mas a maioria dos colegas dos associados, principalmente, defendem o fim da prerrogativa.
ConJur — Qual é o posicionamento do senhor quanto a criação dos novos TRFs?
Fernando Mendes — Do ponto de vista jurídico, tudo o que tinha que ser defendido já foi. A Ajufe é a favor e tem conversado com os ministros para reforçar a importância em não se adiar mais o julgamento sobre a criação. É necessária a ampliação dos cargos nos TRFs, mas enquanto o Supremo não resolve essa questão, há uma parte do parlamento que resiste em discutir qualquer projeto.
ConJur — Para uma boa prestação jurisdicional, quantos juízes federais são necessários atualmente?
Fernando Mendes — Não dá para ter um número exato, mas sabemos que a solução para os gargalos não é necessariamente ampliar o quadro da magistratura, porque os processos iriam aumentar, o número de juízes também e o Estado não teria capacidade para arcar com o custo. Acredito que é melhor trabalhar com maior gestão, fixar as demandas repetitivas, julgar as causas mais relevantes, porque elas naturalmente vão levar a diminuição nos processos.
ConJur — Com o clamor por mais celeridade no Judiciário, existe a chance de o modelo de trabalho do juiz se tornar fordista?
Fernando Mendes — Sim, na verdade essa é uma preocupação atual. Nós já trabalhamos sob pressão do Conselho Nacional de Justiça com a implementação de metas. Isso cria para a magistratura um grande dilema, porque você não pode realmente transformar o processo numa linha de produção. Cada causa é um caso diferente. O que não pode acontecer é, a pretexto de ganhar produtividade, perdermos a sensibilidade de saber diferenciar um caso de outro. Isso só possível em ações repetitivas.
ConJur — Em 2016, houve um ruído entre magistrados estaduais e federais por atuação nas cortes eleitorais. Isso já passou?
Fernando Mendes — O que a Ajufe tem defendido nos últimos anos é que possa ter cada vez mais participação de juízes federais na Justiça Eleitoral, nas cidades em que houver justiça federal. Não haverá substituição dos estaduais pelos federais, é uma questão de competências. Nossos pedidos que tramitam no TSE e a postura da associação é para que haja redução da participação dos estaduais, permitindo que os juízes federais possam atuar de maneira mais efetiva exatamente porque é uma justiça que faz parte da União.
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