Artigo de analista judiciário concursado aponta que, em 2002,o Supremo Tribunal Federal barrou uma resolução do TRF1 que preenchia cargos sem a obrigatoriedade de concurso público, transformando auxiliares em técnicos judiciários
Sérgio Eduardo Félix da Silva
Analista judiciário do TJDFT
Integrante do Conselho Fiscal da Associação Nacional dos Analistas do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (Anajus)
Bacharel em Direito graduado na Universidade de Brasília (UnB)
Pós-graduado em Direito Público (Instituto Processus)
13/02/2018
Muito se tem discutido sobre mudança de nível de escolaridade de técnicos do Poder Judiciário da União (PJU) e do Ministério Público da União (MPU). Seja em redes sociais, seja em fóruns de discussão, o chamado Projeto NS (Nivel Superior), que eleva a escolaridade dos técnicos de nível médio, domina boa parte dos debates. Especialmente depois que, em 19 de dezembro de 2017, a Federação e sindicatos de servidores dessas áreas entregaram a proposta à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que ficou de dar uma resposta após o fim do recesso judiciário da Corte.
Acompanhando tais discussões, tem-se visto também um inequívoco pleito para que, uma vez aprovada tal mudança, haja uma redução das diferenças salariais entre os cargos de analista judiciário e os cargos de técnico judiciário, seja com a criação de tabelas salariais interpoladas entre os cargos , seja com redução das diferenças salariais a patamares inferiores a 10% do vencimento inicial e final de cada carreira.
Nesse ponto, é certo que tal pleito encontra amparo nas mais diversas associações no âmbito do PJU e do MPU, como sindicatos nos mais diversos estados, associações de técnicos judiciários e, até mesmo, em associações de oficiais de justiça, esses últimos também analistas judiciários, porém em especialidade própria, que lhes permite auferir indenização pelo gastos próprios com tal atividade – transporte para realizar as mais diversas intimações.
Passa-se a fazer algumas considerações sobre os cargos de analistas judiciários e de técnicos judiciários, suas peculiaridades, bem como sobre eventual mudança de nível de escolaridade no tocante ao cargo de técnico judiciário.
DOS CARGOS DE ANALISTAS JUDICIÁRIOS E TÉCNICOS JUDICIÁRIOS
De início, a Lei 11.416/2006, em seu artigo 2º, prevê três diferentes carreiras: auxiliar judiciário (hoje em franca extinção), técnico judiciário e analista judiciário.
Observadas as denominações, tais carreiras também são previstas no MPU.
As mencionadas carreiras, por sua vez, conforme previsão do artigo 3º da aludida Lei, podem envolver três áreas de atividade:
- “área judiciária, compreendendo os serviços realizados privativamente por bacharéis em Direito, abrangendo processamento de feitos, execução de mandados, análise e pesquisa de legislação, doutrina e jurisprudência nos vários ramos do Direito, bem como elaboração de pareceres jurídicos;”
- “área de apoio especializado, compreendendo os serviços para a execução dos quais se exige dos titulares o devido registro no órgão fiscalizador do exercício da profissão ou o domínio de habilidades específicas, a critério da administração;”
- “área administrativa, compreendendo os serviços relacionados com recursos humanos, material e patrimônio, licitações e contratos, orçamento e finanças, controle interno e auditoria, segurança e transporte e outras atividades complementares de apoio administrativo.”
Os cargos de analista judiciário e técnico judiciário têm atribuições previstas na Lei 11.416/2006, em seu artigo 4º, que prevê, expressamente, a existência de carreiras diversas com atribuições distintas.
Nesse particular, cabe ao cargo de analista judiciário, o exercício de:
- “atividades de planejamento; organização; coordenação; supervisão técnica; assessoramento; estudo; pesquisa; elaboração de laudos, pareceres ou informações e execução de tarefas de elevado grau de complexidade”
Já ao cargo de técnico judiciário cabe:
- “execução de tarefas de suporte técnico e administrativo;”
Destaque-se que, aos oficiais de Justiça, é prevista, outrossim, atividades ainda mais específicas, sem que, entretanto, sejam considerados de outra carreira, distinta da de analista judiciário.
Transcreva-se, nesse ponto, o § 1º, do art. 4º da Lei 11.416/2006:
- “Os ocupantes do cargo de analista judiciário – área judiciária cujas atribuições estejam relacionadas com a execução de mandados e atos processuais de natureza externa, na forma estabelecida pela legislação processual civil, penal, trabalhista e demais leis especiais, serão enquadrados na especialidade de Oficial de Justiça Avaliador Federal.”
DESVIO, EQUIPARAÇÃO E ASCENSÃO
Uma vez esmiuçadas as distinções legais, é de bom alvitre saber que, na prática cotidiana, há de fato analistas e técnicos judiciários exercendo atribuições iguais, o que, em tese, pode caracterizar desvio de função.
Porém, é certo que as atribuições que lhes são atribuídas por lei (denominadas “funções públicas” na nomenclatura de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, fl. 288) são diversas, assim como a remuneração o é, conforme estipulado no instrumento normativo citado acima.
Assim, a mudança estrutural do cargo de técnico judiciário, com sobreposição e quiçá, equiparação com o cargo de analista, que, em verdade, senão abertamente defendida por sindicatos diversos, é almejada nos mais diversos grupos de servidores em redes sociais, acaba se assemelhando muito à odiosa forma de ingresso em cargo público denominada ascensão funcional.
Ressalte-se que há duas modalidades (formas de provimento): formas de provimento originárias (não existe vínculo anterior com a administração pública; a única forma de provimento originário hoje admitido é a nomeação); formas de provimento derivadas (o preenchimento de cargo decorre de vínculo anterior existente com a administração pública; são os casos de promoção, readaptação, reversão, aproveitamento, reintegração e recondução; todos essas modalidades são mencionadas na lei 8.112).
Nas formas de provimento derivado, deve haver razoável equivalência entre a responsabilidade e a remuneração do cargo anteriormente ocupado com o novo cargo em que tenha ingressado o servidor. Por essa razão, a ascensão e a transferência (previstas originariamente na lei 8.112/90) foram declaradas inconstitucionais pelo STF.
Nesse ponto, mencione-se enunciado da Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal (STF): É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.
STF CONTRA ASCENSÃO NO TRF1
Por fim, destaque-se que o próprio STF, em 2002, manifestou-se claramente pela impossibilidade de ascensão funcional no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
“Quinta-feira, 14 de novembro de 2002
STF confirma inconstitucionalidade de ascensão funcional de servidores no TRF da 1a Região
O Supremo Tribunal Federal confirmou hoje a inconstitucionalidade (ADI 785) de uma Resolução do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que preenchia cargos públicos por ascensão funcional. A Resolução nº 13/1992 transformava auxiliares em técnicos judiciários.
O relator do processo, ministro Moreira Alves, reiterou precedentes da Casa, argumentando que a Constituição de 1988 extinguiu a ascensão funcional. Isso significa que os servidores públicos não podem mais passar de uma carreira a outra, por exemplo, de nível médio a nível superior, sem concurso público.
Defendeu tese diferente o ministro Marco Aurélio, presidente da Casa, que afirmou que a Carta de 1988 “não fulminou o instituto da carreira no serviço público”. Para ele, a ascensão é um estímulo ao servidor público para que invista em seu aprimoramento. Marco Aurélio fez referência aos funcionários que estudam com o objetivo de alcançarem melhor colocação no trabalho.
Apesar do voto dissidente do ministro Marco Aurélio, prevaleceu a tese do relator entre a maioria dos ministros. Com isso, foram declarados inconstitucionais os itens 1.2; 1.3; 2.2; e 2.3 da Resolução 13/1992 do TRF da 1ª Região.”
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Moralidade no Judiciário
Observados tais conceitos, conclui-se que as almejadas transposições salariais, interpolação de tabelas, equiparação e unificação de carreira, com nivelamento entre técnicos e analistas, constitui evidente ascensão funcional de um cargo de nível médio (cujos requisitos se pretende mudar, para que passe a ser de nível superior) para outro de nível superior (analista judiciário).
Isso, evidentemente, se contempla os interesses da maioria, como dito em muitos sindicatos, certamente fere os interesses de uma minoria (analistas judiciários), bem como afeta o princípio constitucional da moralidade no âmago do próprio Poder Judiciário.
BIBLIOGRAFIA
(MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 14° edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005.)