Vinte e seis anos após a entrada em vigor da Lei de Improbidade Administrativa, a Comissão de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal avaliou a jurisprudência que se formou ao longo desse tempo e formulou proposta de alteração do texto.
JOTA
08/12/2018
CAPÍTULO 1
Contexto
O grupo de trabalho foi coordenado pelo Professor Márcio Cammarosano, com a colaboração dos professores Flávio Henrique Unes Pereira, Flavio Jaime de Moraes, Mariana Borges Frizzera Paiva Lyrio, Juscimar Pinto Ribeiro e Paulo Nicholas de Freitas Nunes.
Este ensaio visa compartilhar os principais pontos da proposta apresentada pela Comissão de modo a contribuir para o debate em torno do tema. Os artigos referidos são todos do texto vigente da Lei n. 8.429/92.
DA CARACTERIZAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA
Quando da promulgação da Lei 8.429/92, a tipificação de modalidades culposas não foi objeto de maiores questionamentos. Entretanto, hoje se percebe o caráter desastroso — jurídica e economicamente falando — de se punir agentes públicos com a alcunha de “ímprobos” por condutas meramente culposas, ainda mais em virtude da interpretação completamente elástica dada pela jurisprudência ao conceito de “culpa” (lato sensu), algo que pode ser equiparado a um “crime de exegese”, o qual, consoante as palavras do Ministro Luiz Fux, não é punível no direito brasileiro (STF, Inq. 2.482, Tribunal Pleno, Dje 17.2.2012).
Com efeito, se a finalidade do mandamento constitucional é de punir atos ímprobos com severas sanções, não faz sentido tipificar dessa maneira condutas meramente culposas. Obviamente, um agir negligente, imprudente ou de imperícia pode causar danos materiais ao Estado, mas tal situação deve ser resolvida no plano civil do ressarcimento — ou, mediante atuação dos Tribunais de Contas, no Controle Externo da atividade estatal, ou, ainda, na esfera administrativa/disciplinar — mas não no âmbito de ação judicial que pode acarretar até mesmo a perda da função pública e a suspensão do status civitatis. Por conta disso, necessária é a inserção de dispositivos a fim de esclarecer que constituem atos de improbidade as condutas dolosas que violem os bens jurídicos protegidos pela norma.
Nesse cenário, necessário ainda definir o conteúdo do elemento subjetivo “dolo”, a fim de excluir a absurda interpretação que o equipara à mera voluntariedade do agente. Afinal, “não é da voluntariedade de todo e qualquer comportamento ofensivo ao direito que se pode inferir, ipso facto, que a violação ao direito foi intencional, dolosa. Pode haver sido por erro e, portanto, culposa apenas”[1].
A referência feita pela Jurisprudência, por sua vez, ao “dolo genérico”, não pode servir para mitigar o dever de motivação da decisão judicial quanto a existência do dolo, propriamente dito. Em outras palavras, a “adoção da teoria de que para configuração de improbidade administrativa bastaria o dolo genérico, isto é, a prescindibilidade de um fim especificamente objetivado com a violação intencional da norma jurídica, não autoriza considerar que basta então a voluntariedade do comportamento para que se configure ofensa dolosa da ordem jurídica. Tem-se aí aplicação errônea do conceito de dolo genérico, quando não erro de conceituação mesmo de dolo genérico”[2].
A título ilustrativo, merece registro entendimento firmado no AgRg no AREsp nº 739.68/SP (Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 29.10.2012) que manteve condenação por ato de improbidade de uma médica que emitiu atestado em seu próprio favor. O laudo médico atestou que a servidora está apta a tomar posse em cargo público, o que foi confirmado por outro laudo de outro médico. O STJ entendeu que restou caracterizado o ato de improbidade, embora o Ministro Napoleão Nunes Maia tenha alertado (e ficou vencido) que “a conduta da servidora não tem a relevância infracional que se lhe atribuiu, porquanto, em primeiro lugar, esse laudo médico não está imputado de falsidade, até porque (a) não serviu para a finalidade pretendida e (b) foi lastreado em laudo de outro médico, este sim, o prestante para a posse da recorrente no cargo”. Esse caso, revela, a nosso ver, típico julgamento que desprestigia o contexto e a conduta do agente em favor de exame focado apenas no resultado (ato ilícito).
Daí a importância de se introduzir artigo de forma a constar a possibilidade de ação de improbidade apenas para os atos ímprobos dolosos, diferenciando-se a prática dolosa da mera voluntariedade. Igualmente relevante a inserção de dispositivo para eximir de punição a conduta do agente que atua com base em interpretação razoável do marco legal em vigor. Nesse sentido, prevê-se que se o agente atuar com base em interpretação razoável da lei — ainda que posteriormente não venha a ser considerada a melhor — não poderá ser tachado com a pecha de ímprobo.
O tema sobre o elemento subjetivo na ação de improbidade foi, inclusive, objeto de discussão na 28ª Reunião Ordinária da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. Conforme destacado pela I. Procuradora Geral Dra. Raquel Dodge, a Lei 8.429/92 possui exatamente um caráter inibitório imposta aos gestores “que, por temer tanto a incidência dessa lei, acaba não exercendo bem a sua função de gestor, de tanta prevenção que se impõe”. Destaca, ainda, que a norma debatida é “justamente um ponto que é necessário aprimorar. (…) a expectativa de aplicação desse artigo era de que nessa imputação houvesse apropriação do conceito de culpa que empregamos no Direito Penal, mas o que mais tem sido aplicada é a culpa civil, que pune a imperícia. Nessa perspectiva, parece-me que pode vir em socorro de maior clareza”.
DA CORREÇÃO DE ELEMENTOS DAS DEFINIÇÕES TÍPICAS
Já em relação aos dispositivos legais que visam tipificar as condutas a serem penalizadas, necessária é a correção de alguns elementos. No art. 10 da referida norma, deve-se buscar definição mais precisa e, portanto, mais segura dos tipos que tratam do prejuízo ao erário em procedimentos licitatórios ou de conservação do patrimônio público. Explicita-se, assim, o elemento normativo do tipo (“indevidamente”), na busca de por fim a grave celeuma hermenêutica acerca do assunto.
Demais disso, ainda para evitar abusos interpretativos, o rol do art. 11 (violação a princípios administrativos) deve ser taxativo. Isso porque é inegável que a cláusula de abertura tem levado à instauração de processos arbitrários, já que qualquer pretensa violação a princípios pode, em tese, ser enquadrada como ato de improbidade do art. 11.
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