Decisão foi tomada por unanimidade pelos desembargadores federais da 2ª Seção da Corte; organização trabalhista justifica ingresso em ação para defender o “trem-bala da alegria”
Anajus Notícias
20/10/2021
Desembargadores da 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiram por unanimidade rejeitar pedido de entidade trabalhista de servidores do Judiciário e do Ministério Público da União sediado no Distrito Federal. A organização pleiteou atuar em ação rescisória movida por servidor judiciário de nível médio do Rio Grande do Sul que pleiteia indenização sob a alegação de haver exercido atividades de Analista de nível superior por causa de suposto desvio de função.
A decisão acompanhou o voto da relatora da matéria, desembargadora Vivian Caminha, em julgamento realizado no dia 14 de outubro. Ela entendeu que a entidade não atendeu os requisitos do artigo 138, do Código de Processo Civil, para ser admitida no processo como amicus curiae (amigo da Corte). Esse dispositivo permite o ingresso de terceiro interessado no processo por conta da “relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia”.
Para a magistrada, “A ação rescisória versa sobre caso particular de um único servidor. Ainda que outros servidores possam estar em situação semelhante, a solução da lide depende de análise do caso concreto de cada um. Assim, o fato de existir outras ações similares não caracteriza hipótese de admissão da instituição como amicus curiae”, justificou.
A decisão também deu provimento ao agravo interno para o desarquivamento do processo,reformando decisões que já haviam sido tomadas em primeira instância pela Justiça Federal e pela 23ª Turma do TRF-4. Ambas indeferiram o pleito do autor,
Inconstitucionalidade
No pedido de amicus curiae, a entidade, que diz representar todos os servidores, sem distinção, defende que detém legitimidade para atuar como nessa ação, alegando que o julgamento pode impactar um universo de servidores de suporte administrativo. Não avalia o resultado negativo que tal proposta possa trazer para os Analistas, com a invasão de suas atribuições por servidores não habilitados em concursos para o cargo de nível superior. “Milhares e milhares de técnicos judiciários em todo o território nacional se sentem prejudicados por estarem num cargo de nível médio realizando atividades que possuem grau de complexidade de nível superior”, argumenta o sindicato.
A ação rescisória postula que, de acordo com a Constituição Federal, é o Supremo Tribunal Federal (STF) que deve julgar ações dessa natureza. Para o sindicato, se essa matéria for julgada procedente pela Suprema Corte, todas as ações de desvio de função serão remetidas ao STF, evidenciando a necessidade de adoção da proposta apresentada ao Conselho Nacional de Justiça para transformar em superior a escolaridade dos técnicos de nível médio. Esse projeto é citado na mídia como “trem-bala da alegria” por beneficiar 70 mil técnicos com a elevação da escolaridade do servidor de apoio e aumento salarial de 64% para promover a equiparação dos vencimentos deles aos dos Analistas.
No STF, porém, já há posição contrária à ascensão funcional sem concurso público e ainda mais com equiparação salarial para se igualar à carreira de escolaridade superior. A Anajus, única entidade exclusiva dos Analistas do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, aponta que tal proposta contraria decisão firmada pelo STF em dezembro de 2020, com repercussão geral para toda a administração pública, em julgamento do Recurso Administrativo 740.008, sobre lei criada pelo Estado de Roraima.
“É inconstitucional o aproveitamento de servidor, aprovado em concurso público a exigir formação de nível médio, em cargo que pressuponha escolaridade superior”, nos termos do voto do relator da matéria, o ex-ministro Marco Aurélio Mello. O voto dele foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux, que atualmente preside o STF e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), onde tramita a proposta do Projeto NS com equiparação salarial aos Analistas.
Cargos para Analistas
Em das decisões no processo contrárias ao autor, foi apontado que ele recebeu vantagens salariais por exercício funções comissionadas, alegando: “O Técnico Judiciário formado em Direito, como é o caso do autor, estará habilitado para exercer função de confiança de Oficial de Gabinete sem que isto caracterize exercício de uma função que seria específica de Analista Judiciário, o que reflete melhor aproveitamento da capacidade profissional do servidor, em atendimento ao princípio da eficiência na Administração Pública”.
A Anajus discorda dessa posição defendida nesse e em outros casos semelhantes quanto ao aproveitamento da capacidade profissional por meio de desvio de função, por constituir uma flagrante ilegalidade. Para a Associação, é um absurdo que os cargos comissionados que exijam conhecimento de nível superior sejam preenchidos por servidores de apoio ou profissionais que não foram aprovados em disputados concursos de nível superior.
A verdade é que todos os anos, milhares de profissionais portadores de diplomas de nível superior são reprovados nos concursos realizados para o provimento dos cargos de Analista. Isso porque é muito diferente o patamar de conhecimento acumulado necessário para obter o diploma do exigido para aprovação no concurso do cargo.
Se os servidores de apoio, mesmo que portadores de diplomas de nível superior, tivessem o conhecimento necessário para o exercício do cargo de Analista, bastaria fazerem o concurso, pois certamente seriam aprovados. Contudo, todos sabem que a aprovação no concurso exige um acúmulo de informações e conhecimentos que não possuem. Ademais, só o concurso público confere legitimidade para o servidor exercer as atribuições de um cargo público.
Assim, apesar de diversos profissionais terem condições e conhecimento para analisar os autos e minutar uma sentença ou voto, apenas os magistrados possuem legitimidade para exerce as atividades do cargo, assinar as sentenças e acórdãos.
Desrespeitar as atribuições do cargo é ferir a hierarquia do serviço público e, é exatamente isso que a ocupação indiscriminada de funções comissionadas provoca no Poder Judiciário e no Ministério Público, sempre abrigada sob o pálio da “princípio da eficiência na Administração Pública”, mas, em verdade, quase invariavelmente escondendo o clientelismo e o nepotismo cruzado das autoridades que deveriam zelar pela legalidade.
O servidor de nível médio não pode exercer atividades de Analista somente porque está ocupando indevidamente cargo em comissão, aliás, esse é o maior problema a ser enfrentado pelo Judiciário e pelo Ministério Público. Pois não existe malefício maior a prestação de justiça que colocar pessoal não qualificado em funções que exigem legitimidade e qualificação.
Colocar servidores de apoio administrativo para ocupar cargos que exigem conhecimento de nível superior representa flagrante desvio de função, pois a lei que criou os cargos é clara e bem especifica ao determinar que apenas os Analistas estão legitimados a exercer as funções que exigem conhecimento de nível superior, pois aprovados no respectivo concurso.
Os servidores aprovados em concurso de nível médio podem ocupar apenas as funções comissionadas que não exigem conhecimento de nível superior, especificas para o segmento, como, por exemplo as funções comissionadas que existem para secretária ou motorista.
A Anajus admite, porém, alguma tolerância com desvio de função praticados no passado recente por se constituírem fatos consumados e concluídos com remotas chances de correção retroativa. Mas lembra, com veemência, que a reedição ou tentativa de legalização desses desvios, como pretendem entidades que defendem apenas interesses trabalhistas de uma parcela dos servidores nos desvia da missão primordial de administrar a justiça, dando a cada um o que lhe é de direito.
Compete àqueles que tem a nobre missão de administrar a justiça o ônus de dar o bom exemplo no cumprimento das leis e não relutar em aceitar as decisões da Suprema Corte sobre o tema, sempre no sentido de preservar o concurso público como meio de acesso e legitimidade para o exercício das funções públicas.
Por isso, a Anajus aplaude a iniciativa tomada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que transformou recentemente cargos vagos de nível médio em cargos a serem providos por Analistas. Segundo a entidade, esse é o caminho para a melhoria dos serviços prestados especialmente para população com dificuldades de acesso à Justiça e a correção paulatina dos graves e deletérios problemas causados pelos desvios de função existentes.