Setembro Amarelo e o Suicídio entre os Povos Indígenas: Uma Realidade Pouco Comentada

Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio, que visa alertar a população sobre a realidade do suicídio no Brasil e no mundo, além de promover formas de prevenção. No entanto, um aspecto frequentemente negligenciado é o suicídio entre os povos indígenas, uma questão que merece atenção urgente.

Os povos indígenas no Brasil enfrentam uma taxa de suicídio alarmante, significativamente maior do que a média nacional. Em algumas regiões, como o Mato Grosso do Sul e o Amazonas, as taxas de suicídio entre indígenas são dezenas de vezes superiores à média nacional. Em São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, a taxa de suicídios chegou a 50 casos por 100 mil habitantes, sendo 93% das vítimas indígenas.

Setembro Amarelo é uma oportunidade para ampliar o diálogo sobre o suicídio e incluir as vozes dos povos indígenas nessa conversa. É fundamental que reconheçamos e abordemos as especificidades dessa questão, promovendo ações que respeitem e valorizem a cultura e os direitos dos povos indígenas.

Recentemente, entrevistamos a Doutora Caroline Daitx, médica especialista em medicina legal e perícia médica. Ela destacou que a vulnerabilidade dos povos indígenas ao suicídio está ligada a uma série de fatores, incluindo o consumo abusivo de álcool, a falta de acesso a serviços de saúde mental adequados, a discriminação e as atuais condições socioeconômicas, como baixo acesso à educação, emprego, saúde e saneamento. Esses fatores criam um ambiente de desespero e isolamento, que pode levar ao suicídio, especialmente entre os jovens.

Confira a entrevista na íntegra:

1. Como a campanha Setembro Amarelo pode ajudar a conscientizar e prevenir o suicídio entre os povos indígenas, especialmente os jovens?

A campanha Setembro Amarelo, voltada à conscientização sobre a prevenção do suicídio, pode ser adaptada para atender às necessidades dos povos indígenas, focando nas particularidades culturais e linguísticas de cada comunidade. Ela pode incluir:

– Acesso a informações em línguas indígenas: Material educativo desenvolvido em cooperação com os próprios indígenas e traduzido para suas línguas nativas.

– Envolvimento comunitário: Oficinas e encontros com jovens indígenas, onde se discuta o tema do suicídio de maneira respeitosa e culturalmente adequada.

– Apoio psicológico acessível: A campanha pode ser uma plataforma para aumentar a oferta de serviços de saúde mental dentro das comunidades, com psicólogos capacitados em questões indígenas.

 

2. O suicídio entre os povos indígenas é ainda uma questão pouco discutida na sociedade. Como nós podemos contribuir para diminuir essa lacuna? E como podemos ajudar?

É essencial aumentar a visibilidade dessa questão em espaços públicos, acadêmicos e nas políticas de saúde pública. A sociedade pode contribuir promovendo diálogos abertos sobre o tema, respeitando as especificidades culturais dos povos indígenas e apoiando a criação de redes de suporte psicológico acessíveis. Projetos de educação que envolvam as comunidades indígenas em suas línguas nativas e respeitem suas tradições podem ajudar a desestigmatizar o suicídio e facilitar o acesso a cuidados. Respeitar a vontade das pessoas que pertencem a esses povos em optar ou não por maior inclusão na sociedade. Organizações não governamentais, profissionais de saúde e o governo podem trabalhar em parceria com líderes indígenas para desenvolver programas de prevenção e capacitação.

 

3. O consumo abusivo de álcool é um fator de risco significativo para o suicídio. Quais medidas podem ser implementadas para reduzir esse consumo nas comunidades indígenas?

Para reduzir o consumo abusivo de álcool nas comunidades indígenas, é necessário implementar medidas culturalmente apropriadas e sensíveis. Algumas estratégias incluem:

– Educação e conscientização: Campanhas de educação sobre os riscos do consumo de álcool, desenvolvidas em conjunto com as lideranças indígenas.

– Apoio psicológico e social: Oferecer apoio psicológico contínuo, com foco na saúde mental e na promoção de atividades comunitárias que possam substituir o uso de álcool como forma de lidar com dificuldades.

– Políticas de restrição de acesso ao álcool: Em algumas comunidades, a limitação do acesso ao álcool pode ser uma medida eficaz, sempre em consulta com os líderes locais.

– Fortalecimento cultural: O incentivo ao resgate e fortalecimento das tradições culturais pode fornecer um sentimento de identidade e pertencimento que ajude a reduzir a dependência de substâncias.

 

4. Quais são as principais dificuldades enfrentadas na implementação de políticas de prevenção ao suicídio nas comunidades indígenas? Há exemplos de iniciativas bem-sucedidas que já foram implementadas nesse sentido? Se sim, quais?

As principais dificuldades incluem a falta de profissionais de saúde treinados para lidar com a cultura indígena, barreiras linguísticas e o isolamento geográfico de algumas comunidades. Além disso, as políticas de prevenção muitas vezes não são culturalmente adaptadas, o que dificulta sua aceitação.

Um exemplo de iniciativa que tem demonstrado bons resultados é o programa Saúde nos Povos Indígenas, realizado no Mato Grosso do Sul. Outro exemplo é o Projeto Curumins Guerreiros fortalece cultura Tupinikim em Aracruz que envolve atividades culturais e esportivas para jovens indígenas com o objetivo de promover a autoestima e o fortalecimento da identidade.

Outros exemplos como o Escuta Bem Viver é um projeto voltado para a saúde mental das pessoas indígenas da Universidade do Sul de Santa Catarina oferecendo espaços de acolhimento, escuta e acompanhamento psicológico.

 

5. Qual a importância de fortalecer a identidade cultural e melhorar as condições socioeconômicas como formas de prevenir o suicídio entre os indígenas?

Fortalecer a identidade cultural é fundamental para a prevenção do suicídio entre os indígenas, pois promove o senso de pertencimento e autoestima, fatores essenciais para a saúde mental. Quando os indígenas estão conectados às suas tradições, valores e línguas, eles tendem a sentir-se mais amparados em suas comunidades e mais resilientes diante das adversidades.

Além disso, melhorar as condições socioeconômicas — com acesso à educação, emprego, saúde e saneamento — pode reduzir fatores de risco associados ao suicídio, como a marginalização, o isolamento social e a vulnerabilidade. O desenvolvimento de programas que respeitem a cultura indígena, aliados a políticas públicas de inclusão, pode contribuir para uma maior qualidade de vida e bem-estar.

 

Fonte: Caroline Daitx: médica especialista em medicina legal e perícia médica. Possui residência em Medicina Legal e Perícia Médica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como médica concursada na polícia científica do Paraná e foi diretora científica da Associação dos Médicos Legistas do Paraná. Pós-graduada em gestão da qualidade e segurança do paciente. Atua como médica perita particular e promove cursos para médicos e advogados sobre medicina legal e perícia médica. (M2 Comunicação Jurídica)