NOTA DE REPÚDIO À PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA DO MPF PARA 2023

Levantamento mostra que quase 77% dos recursos ficarão para atender 1.142 membros do Ministério Público Federal e só 23% vão para os 8.871 servidores

NOTA DE REPÚDIO 

A Associação Nacional dos Analistas do Poder Judiciário e do Ministério Público da União – ANAJUS, em nome dos Analistas/Direito do Ministério Público da União associados, em razão dos motivos abaixo especificados, apresenta NOTA DE REPÚDIO à proposta orçamentária do Ministério Público Federal para o ano 2023. 

A proposta orçamentária do Ministério Público Federal é um documento que, uma vez aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), integrará o orçamento do Ministério Público da União que será encaminhado pelo presidente da República para votação do Congresso Nacional. 

Embora a proposta orçamentária de 2023 mencione em diversas passagens a necessidade de utilização mais eficiente dos recursos públicos, a sustentabilidade da instituição e a qualificação dos gastos, há sérias disparidades em seu texto relacionadas à equidade na alocação dos recursos da instituição. 

 A inflação acumulada entre o último reajuste salarial ocorrido em 2017 por força da Lei 13.316/2016 até 2021 foi de 25,59%, segundo dados do Banco Central do Brasil1. E, somente para o ano 2022, até o mês de junho, a desvalorização do dinheiro alcançou o patamar de 11,89%, de acordo com dados do IBGE2. Isso significa que o salário do servidor desvalorizou cerca de 30% no período. 

 Com sua capacidade de compra reduzida, os servidores são compelidos a trocar seus filhos de escola, reduzir atividades de lazer, morar em regiões periféricas das cidades para reduzir custos, ter menores gastos com alimentação, entre outras consequências causadas pelos aumentos dos custos não acompanhado do reajuste salarial. 

Apesar disso, o projeto de orçamento contemplou reajuste de apenas 13,5% sobre a remuneração dos servidores, a ser implementado até meados de 2024, bem como incluiu a proposta de elevação dos valores das funções comissionadas e cargos em comissão de livre nomeação e exoneração.  

 Ou seja, o projeto contemplou cerca de 1/3 da recomposição inflacionária experimentada pelos servidores entre 2017 e 2022, em valores que seriam pagos até 2024, quando a inflação já terá corroído a renda em patamares ainda maiores. 

 Os dados históricos acima mencionados também se prestam para evidenciar que a oferta de reajuste dos benefícios assistenciais mencionadas no documento (auxílio creche e auxílio alimentação, por exemplo), na ordem de 7,20%, não cobre sequer a inflação do primeiro semestre do ano 2022. 

 Sendo tão irrisórias as ofertas em prol da melhoria salarial dos servidores, poder-se-ia questionar se a escassez de recursos foi o motivo determinante. A resposta é claramente negativa. O gráfico a seguir demonstra que o projeto de orçamento destinou apenas 23,21% dos recursos aos servidores, embora eles representem 88,59% da instituição, ao passo que alocou 76,79% aos membros, conquanto tais agentes públicos reflitam apenas 11,41% do quadro de pessoal do MPF. 

A notória diferença na alocação de recursos orçamentários não tem relação com a diferença remuneratória prevista em lei para os cargos. Segundo a Lei 13.316, o salário inicial bruto e um analista do MPF é de R$ 12.455,30, considerando o vencimento base de R$ 5.189,71 e gratificação judiciária de R$ 7.265,59. A mesma lei prevê para um técnico o salário inicial bruto de R$ 8.698,44, sendo R$ 3.163,07 o vencimento e R$ 4.428,30 gratificação judiciária.  

Em outro extremo, a Lei 13.092/15 e a Lei 13.753/18 preveem que o subsídio bruto de um Procurador da República em início de carreira será de R$ 33.689,11. Isso quer dizer que um membro do MPF ganha 170,48% a mais que um analista e 287,30% a mais que um técnico. Em outras palavras, o salário de um analista representa 36,97% do salário de um procurador e o salário de um técnico representa 25,82% de um membro de início de carreira. Tais comparações não levam em consideração a farta verba indenizatória e benefícios que apenas os membros percebem, a exemplo de remuneração adicional por substituição e 60 dias de férias, o que, se considerado, aumentaria ainda mais a diferença.  

Todavia, o detido exame da proposta de orçamento para o ano 2023 permite notar que a supracitada diferença percentual não foi nem de perto a medida usada para a distribuição das verbas para custeio de pessoal.  

Consoante matéria publicada pela SINTRAJUFE, o valor projetado a ser recebido por cada servidor é de R$11.703,80 ao ano, sendo R$975,31 ao mês. Para os membros, o valor anual é de R$301.489,92, sendo R$25.124,16 ao mês. Significa dizer que, uma vez concretizada a proposta orçamentária, o acréscimo financeiro mensal experimentado pelos membros seria 25 vezes superior ao oferecido aos servidores

Não é preciso maior esforço para constatar, à luz dos fatos descortinados, que a autonomia financeira serviu de abrigo para a Instituição eleger como máxima prioridade a busca por vantagens financeiras para os membros do MPF, fazendo do orçamento uma peça exclusivamente moldada a esta finalidade. Isso sem contar no pagamento de passivos acumulados, para os quais foram separados R$182 milhões.

O problema há muito é rastreado por instituições de pesquisa e consta em nota técnica publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA em 2021, que destaca o Ministério Público e Justiça Federal como um dos maiores promotores de desigualdade remuneratória do funcionalismo público.

E mais: a proposta de reajustar, de uma só vez, as FC’s e CC’s é medida que não traz qualquer benefício para a maioria dos analistas/Direito do MPU, já que, ao contrário do que ocorre no Poder Judiciário da União, em que a quase totalidade dos analistas judiciários ocupam cargos em comissão e exercem funções comissionadas, no Ministério Público da União, as funções e cargos em comissão estão alocadas, em sua grande maioria, com os servidores ocupantes de cargos de Técnicos.  

 Vê-se, portanto, que o reajuste das FC’s e CC’s, embora louvável, dado o longo tempo em que não são reajustadas, poderia dar lugar a um reajuste maior na remuneração de todos os servidores, a fim de beneficiar todos os titulares de cargos efetivos.  

Aliás, o desprestígio dos servidores efetivos também salta aos olhos na proposta orçamentária quando se percebe que aqueles que se esforçaram para lograr aprovação em concurso público terão que se contentar com um reajuste de 13,5%, parcelado em três vezes, sendo a última parcela apenas em julho/2024, ao passo que os extraquadros ocupantes de cargos em comissão de livre nomeação e exoneração terão reajuste integral a ser implementado em uma só parcela (julho de 2023).

O sentimento de insatisfação aqui veiculado não é restrito aos analistas/Direito, mas acomete verdadeiramente todo o universo do funcionalismo do MPU, sendo senso comum acreditar que a injustiça remuneratória jamais poderia ocorrer exatamente na instituição que, por força da Constituição, foi instituída para proteger valores sagrados da sociedade brasileira.  

1<https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicometas> Acesso em 26/07/2022.
2<https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php> Acesso em 26/07/2022.
3<http://www.transparencia.mpf.mp.br/conteudo/gestao-de-pessoas/cargos-emcomissao-e-funcoes-de-confianca-ocupados-e-vagos> Acesso em 26/07/20022.
4<https://sintrajufe.org.br/ultimas-noticias-detalhe/proposta-orcamentaria-de-135-parcelados-do-mpf-para2023-expoe-abismo-e-disputa-de-orcamento-entre-procuradores-e-servidores-veja-de-quanto-e-adiferenca/> Acesso em 26/07/20022.