Servidor do TRE-BA lotado no município de Morro do Chapéu passou em 1º lugar com a política de inclusão de cotas para negros e em 9º na classificação geral; no cartório adotou libras para atender pessoas surdas
Anajus Notícias
10/06/2021
Igualdade. Esse é um dos principais princípios da Constituição Federal de 1988 que deve ser assegurado por meio de políticas de inclusão, principalmente a de cotas raciais. É a avaliação do analista Uesglei Santos Silva, servidor do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) e chefe de cartório na cidade de Morro do Chapéu, interior da Bahia. Ele ingressou no Judiciário da União por meio desse mecanismo voltado a abrir espaços no serviço público aos negros da população brasileira.
Em 2017, Uesglei participou do processo seletivo para o cargo de analista, para o qual se inscreveu pela política de cotas raciais e foi aprovado em 1º lugar. “A política de cotas é imprescindível para que se cumpra um dos princípios da Constituição que é a igualdade. Não apenas igualdade formal, mas igualdade material. Possibilita que os negros tenham como competir de igual para igual com todas as pessoas que fazem concurso público”, destaca.
Em entrevista à Anajus Notícias, ele contou mais sobre sua trajetória na Justiça Eleitoral, a importância da política de cotas e os desafios para garantir o direito de todos votarem e serem votados.
Diversidade no serviço público
Para Uesglei, a política de cotas no serviço público é de extrema importância e mais do que necessária, precisa ser incentivada em todas as áreas profissionais e educacionais também, pois garante diversidade e igualdade.
“É muito importante para que haja diversidade no serviço público, para que todos possam ser incluídos, ter oportunidade de ascender socialmente, para que todos possam ter melhores condições de trabalho e econômicas. A questão racial no Brasil não é apenas racial, é econômica também”, explica.
Ele ingressou no TRE-BA em 2014, como técnico, mas em 2017 decidiu subir de cargo e para isso prestou concurso novamente, desta vez para analista. Ao se inscrever, ele utilizou a política de cotas raciais. Foi aprovado em 1º lugar. Na classificação geral, alcançou a 9ª colocação.
Inclusão com Libras
E a inclusão é algo que Uesglei busca trazer para seu trabalho. Um exemplo foi o curso de atendimento ao público com Libras realizado no cartório que ele chefia. Voltado aos servidores, o objetivo da oficina foi atender a demanda da pessoa surda que procura o TRE-BA, e assim prestar um atendimento digno e respeitoso a todos os cidadãos.
“Esse treinamento foi realizado para que a gente pudesse estar próximo da população, de fato conseguir atender a população de maneira adequada respeitando as diferenças de todos. O serviço público tem que oferecer um serviço de qualidade para todos, independentemente de credo, raça ou necessidades especiais”, destaca Uesglei.

A última urna
Após ser aprovado no concurso de 2017, Uesglei passou a trabalhar no município de Morro do Chapéu onde está até hoje. Lá viveu um dos eventos mais marcantes da carreira, até o momento, durante as eleições presidenciais de 2018.
A zona eleitoral em que o analista trabalha atualmente cobre quatro municípios, entre eles o Morro do Chapéu, onde ele atua como chefe de cartório. Além disso, há postos de votação localizados a 180 km da cidade, onde mais de 100 km não são asfaltados.
“Tudo que poderia dar errado nessa sessão eleitoral deu”, conta o analista sobre a eleição de 2018. “No dia da eleição começou a chover às 15h, uma chuva torrencial e como são estradas de chão, ficamos sem acesso ao local de votação, para piorar faltou luz, faltou internet, não tinha telefone, então a região ficou incomunicável”, lembra Uesglei.
E as coisas pioraram ainda mais quando o carro disponibilizado para buscar as urnas atolou em um trecho da estrada onde não havia nenhum povoado por perto. De acordo com o chefe de cartório, o motorista e a mesária tiveram que andar cerca de 8 km até encontrarem ajuda.
“Nós tivemos que mandar apoio à polícia até identificar o que tinha acontecido. Então, a gente foi a última zona eleitoral a conseguir computar os votos na eleição para presidente em 2018”, lembra Uesglei.
De acordo com o analista, a urna só chegou ao cartório às 6 horas da manhã do dia seguinte à eleição. Ele e sua equipe tiveram que virar a noite no cartório a espera do aparelho contendo os votos dos cidadãos. O plantão foi de mais de 24h, mas Uesglei e sua equipe permaneceram firmes e finalizaram seu trabalho.
Grandes desafíos
Ao assumir como técnico do TRE, foi mandado para o município de Santa Rita de Cássia, no interior da Bahia. Lá, já começou exercendo o cargo de chefe de cartório, porque era o único servidor do órgão.
Já no primeiro ano enfrentou uma eleição federal, que o preparou para as que viriam em seguida. “Eu era o único servidor do quadro, havia servidores requisitados de outros órgãos, mas eu era o único [da Justiça Eleitoral] e não tinha nenhuma experiência em eleições. Foi bastante desafiador porque uma eleição demanda grande trabalho. Tem que mexer com mesários, locais de votação, preparação das urnas eletrônicas, questões de processos, vigilância, demanda muito esforço”, lembra.
Mas não parou por aí. Em 2016 aconteceram as eleições municipais e para Uesglei, essas são as mais complexas porque absolutamente tudo é de responsabilidade da zona eleitoral e ele tinha que lidar, como único servidor do órgão, com a preparação das eleições em dois municípios, pelos quais sua zona era responsável.
O analista conta que o fato de ser apenas ele como servidor foi muito complicado. “O grande desafio do servidor da Justiça Eleitoral que trabalha nas zonas eleitorais do interior é contar com um quadro muito pequeno de servidores”, explica.
Fortalecer a democracia
Natural da Bahia, Uesglei se formou em fisioterapia, mas quando percebeu que não conseguiria ajudar sua família nem teria um retorno satisfatório com a profissão, decidiu ingressar no serviço público.
Antes de ingressar na Justiça Eleitoral, ele já havia trabalhado na Universidade Federal da Bahia – UFBA, como técnico. Em 2010, resolveu prestar o concurso para técnico do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, mas só foi chamado em 2014.
A escolha pelo TRE se deu por ele entender que a Justiça Eleitoral é a principal ferramenta para garantir o exercício da democracia no Brasil. “A gente tem a missão de fortalecer a democracia, permitir que as pessoas possam votar e ser votadas para que a democracia brasileira possa permanecer firme”, explica.
A história de Uesglei ilustra a importância das políticas de inclusão no serviço público.